segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Questões filosóficas nos filmes a partir da dúvida metódica cartesiana

Descartes no cinema...
O roteiro de estudo e as questões apresentadas às turmas, no contexto do estudo sobre dúvida metódica, racionalismo, empirismo, ceticismo, dogmatismo, foram os seguintes:
1 - Aprofundar o estudo sobre as teorias epistemológicas (história da filosofia);
2 - Destacar os principais problemas epistemológicos do filme;
3 - Discutir os temas em grupo e elaborar uma apresentação crítica e criativa, envolvendo domíno de conteúdo e ludicidade (originalidade);
4 - Elaborar individualmente um resumo crítico, relacionando os temas abordados e os principais problemas filosóficos em destaque, tendo como referenciais o argumento fílmico e a exposição das ideias mais relevantes sobre o assunto estudado em sala de aula;
5 - Depois da apresentação de cada equipe, a turma faz questões, apresenta dúvidas e sugestões sobre a apresentação dos colegas que apresentaram.
Este foi o roteiro seguindo nas apresentações das turmas 404 (Química), 204 (Eletrônica), 602 (Eletrônica) e 605 (Telecomunicações).
O desempenho das mesmas foi excelente!
até uma próxima sessão de cine e filosofia no IFMA...
at
Jorge Leão

Experiências com o cinema no segundo semestre de 2011




Experiências com o cinema no segundo semestre de 2011
Neste semestre, trabalhei com as turmas de filosofia, nos cursos integrados, uma outra forma de levar o cinema à sala de aula. Dividi-as em grupos (quatro ou cinco, conforme o numero de estudantes em cada turma), e cada um deles abordou um filme, a partir de dois assuntos estudados: teoria do conhecimento (nas turmas 404 - Química - e 204 - Eletrônica) e valores, liberdade e ética (turmas 602 - Eletrônica - e 605 - Telecomunicações).
A experiência obtida foi muito rica. Os assuntos foram debatidos com interesse e criatividade. Depois, houve debates muito interessantes. Os filmes analisados foram os seguintes: A vila, O Clube da Luta, Bicho de Sete Cabeças, The Matrix e O Nome da Rosa (sobre as teorias epistemológicas), e Gandhi, A lingua das mariposas, Mississipi em Chamas, 1984 e A sociedade dos poetas mortos (sobre o tema valores, liberdade e ética).
A avaliação que faço é excelente. O momento de descoberta destes temas polêmicos e complexos tornou-se possível pela fascinante possibilidade de adentrar no vasto campo filosófico em que se situam os mesmos por meio de trabalhos estéticos capazes de gerar grandes discussões e reflexões.
As turmas também avaliaram positivamente essa metodologia. Vou agora buscar novos elementos para seguir neste rumo. Novos filmes e temas, a fim de ampliar o gosto pelo estudo da filosofia e de sua aproximação com a vida dos estudantes.
Valeu, pessoal! Até um próximo comentário sobre nossos caminhos pela fértil relação entre filosofia e cinema, merecendo destaque para os esforços de cada um que se envolveu nas pesquisas, com responsabilidade, conteúdos contextualizados e um rico desenvolvimento crítico dos temas.
Até breve!
vejo vocês na próxima sessão de filmes filosóficos...
abraçs
Jorge Leão

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Conflitos epistemológicos em "O Nome da Rosa"...


Conflitos epistemológicos em "O Nome da Rosa"...

A trama do filme ocorre no ano de 1327, num mosteiro no norte da Itália. É baseada no livro homônimo, do escritor italiano Umberto Eco.

Um monge franciscano, William de Baskerville (interpretado pelo ator Sean Connery), e um noviço, Adso von Melk (vivido por Christian Slater), aproximam-se de um lugar misterioso, frio e distante de tudo, para um conclave, que iria decidir se a igreja deveria tomar posse de suas riquezas, ou ser pobre, desapegada de bens materiais. Um bom mote, para um cenário de grandes surpresas e conflitos.

Durante sete dias ocorrem sete assassinatos, o que desperta uma investigação cuidadosa por parte do monge e de seu pupilo. No entanto, tal atitude será combatida pelos beneditinos, que comandam o mosteiro, e atribuem as mortes às artimanhas malignas do diabo.

Chega então o Grão Inquisidor, Bernardo Gui, para pôr fim a qualquer suspeita de heresia, cometida em nome das artimanhas do maligno. Este aspecto reconduz a trama para o limite de um conflito entre William e Bernardo, uma vez que este defende a ideia de que as mortes são, de fato, obras de um espírito maligno, que aterrorizava o mosteiro.

A trama se esclarece, quando surge em cena a discussão sobre um livro de Aristóteles, que seria considerado perigoso à doutrina católica de então. É desse modo que William começa a juntar as pedras deste intrincado quebra-cabeça. Tudo por conta do riso. Isso mesmo. Lá, nas páginas de Aristóteles, o riso configura um elemento capaz de oferecer satisfação ao espírito. O que, na interpretação dos beneditinos, constituía uma afronta ao próprio Deus, uma vez que, segundo eles, o silêncio e a prece são condições para uma proximidade com o divino. Qualquer espaço para um cômico deslize, e a alma estaria confinada ao inferno.

Neste caminho de busca por um lado e mistério por outro, surge o caminho que dá para uma enorme biblioteca. O labirinto em que se encontra uma das maiores bibliotecas da Cristandade é um símbolo interessante, na busca empreendida por William e Adso, rumo à descoberta da verdade. Neste labirinto ocorre a dramática queima dos livros. O que nos passa um cenário de destruição, e de tentativa a todo custo de manutenção do poder, por parte da ideologia dominante da igreja.

No fim, Adso vive o drama do amor a uma bela jovem, que vive com ele uma experiência sexual passageira, mas intensa, que o marca profundamente. Ele, porém, resolve seguir viagem com o seu mestre, e continuar desbravando os caminhos do conhecimento.

Neste debate, pude trabalhar com os estudantes temas como: controle ideológico, conflitos de poder no processo da busca pela verdade, dogmatismo ingênuo, racionalismo, nominalismo. Sendo bastante oportuna a compreensão de que havia uma estreita relação entre a situação vivida pela filosofia na Baixa Idade Média (período em que se dá a trama do filme) e sua influência na formação cultural européia no processo de transição do modelo teocêntrico para a racionalidade renascentista, que começava a despontar nos círculos acadêmicos, de modo gradativo e consistente.

Vamos chamar então os professores de História, Artes, Sociologia e História da Ciência, para um debate filosófico sobre "O Nome da Rosa". Penso que será um projeto muito bom para todos que se aproximarem e participarem.

Até o próximo cine filosófico em sala de aula...

Jorge Leão

04 de fevereiro de 2012.

Sobre a passagem do tempo no poema "Sentimento do Mundo"

Sobre a passagem do tempo no poema "Sentimento do Mundo"

O tempo como problema filosófico constitui de fato um debate que instiga muitos filósofos ao longo da história. De modo geral, posso falar do tempo como passagem, isto é, como sucessão de acontecimentos dentro de um período, o que dá o caráter cronológico ao tempo.

Num segundo momento, trabalho com o tempo psicológico. A impressão subjetiva que um fato me causa. Por exemplo, posso dizer que a música de Mozart me causa contentamento e elevação, quando a ouço. Ou ainda, que o pôr do sol me passa leveza e paz de espírito. Isto é característico de quando nos lançamos de modo desinteressado às obras de arte.

O terceiro elemento do tempo é o existencial, que nos remete ao sentido pleno da vida. Perguntas arquetípicas como "o que é Deus", "por que morremos", "qual o sentido da existência", "é possível a felicidade diante da dor e da morte", são aspectos que nos remetem assim ao tempo dos filósofos, isto é, daqueles que buscam incessantemente o conhecimento da verdade.

Tomemos agora, como possibilidade de uma hermenêutica do tempo, o poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado "Sentimento do Mundo" (do livro homônimo, do ano de 1940). O poeta inicia com os versos:

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

As palavras "mãos"e "corpo" nos colocam o tempo cronológico, como evidência primeira da materialidade situada na história. Com a relação das "lembranças" escorrendo, e o corpo transigindo na "confluência do amor", já nos diz algo da percepção que o poeta tem de sua situação mundana, como ser que estabelece um "sentimento do mundo". O que nos confronta com o tempo psicológico.

Na segunda estrofe, temos:

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto;
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

O tempo cronológico está presente em "quando me levantar", acompanhado do sentimento de que "eu mesmo estarei morto", "morto meu desejo", o que nos remete mais uma vez ao encontro do tempo psicológico. No fim, porém, a expressão "pântano sem acordes" parece nos indicar uma imagem de profunda ausência de sentido diante da dor e da morte.

Seguindo o poema, encontro as palavras:

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
Anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

O poeta encontra-se no drama de uma decisão, ao fazer do tempo uma escolha: ir à guerra ou debandar da luta. Isto causa a dispersão, e a necessidade de recuperar a confiança perdida, ilustrando o aspecto psicológico deste cenário em conflito.

Na última estrofe, nos fala Drummond:

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

Mais uma vez ocorre o tempo cronológico em contraponto ao psicológico, quando a passagem dos corpos diz da solidão e da memória habitada pela lembrança de um passado incerto, mas que em seu amanhecer anuncia o prelúdio de um novo começo.

Estes elementos poéticos são indicações fecundas para a relação da filosofia com a temporalidade. Isto é, a percepção subjetiva, a certeza do fim e a busca por um sentido último para a existência. Nesta transparência poética, há uma ponte que liga as mãos do poeta ao "sentimento do mundo". Limitar o tempo apenas à passagem fatídica, é o mesmo que fazer da vida um começo previsto com um fim incerto. Neste poema, a riqueza de metáforas pode confrontar a morte com a abertura do sentido existencial, e a vitalidade do corpo que insiste em "transigir na confluência do amor".

Jorge Leão
Em 04 de fevereiro de 2012