segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A escola pode matar a imaginação?

Quando a escola perdeu a sua real possibilidade de trazer a lume a liberdade dos seres humanos? Em que práticas nos envolvemos, de modo a enlaçar o pensamento criativo de uma pessoa?

São questões necessárias, e até fundantes, quando o espaço de construção de novos cenários parece inóspito. Com esta breve provocação, surge, por implicância poética, outra inquirição: em que docência nos facilitamos com o tempo?

Penso que esta resposta não deve ser fruto de algo pontual. A escola, como instituição social, precisa exercer a construção da leitura em processo que é o mundo. A história nos cobra o olhar diante da realidade. Não estamos isolados e não é possível uma escola alheia ao que ultrapassa os seus muros.

Desse modo, a educação, como inserção racional e histórica do processo conhecimento humano, precisa exercer a garantia da criatividade e da responsabilidade livre, como política filosófica dos que se comprometem com um novo projeto de sociedade.

Ao longo dos anos, contudo, limitamos a racionalidade humana à utilidade pragmática do instrumental técnico, o que trouxe à ciência a amarga imagem de uma postura arrogante, inibindo ou mesmo matando a possibilidade de novas leituras dentro da escola, mais próximas daquilo que aponta para laços de cooperação, criatividade, autonomia, liberdade de pensamento.

Talvez o que se tema é a perda da “autoridade”, matando os poetas (que já morreram) nos cientistas e filósofos? Que vazio ficaria na alma sem a música dos poetas, capazes de reacender o prazer da descoberta. “Os poemas têm o poder de fazer ressuscitar os mortos que moram em nós” (Alves, 1987, 18). Este caminho fecundo atravessa somente os que se deixaram embebedar pela química da beleza, que abriga nossa criatividade, além de nossas planícies previsíveis das fórmulas científicas.

Com isso, não será mergulhando no espaço da reprodutividade técnica (expressão cara aos filósofos da escola de Frankfurt) que sairemos deste cenário normótico. Cabe a nós um propósito de ousar a transgressão, dentro dos limites históricos de nossas intermediações estruturais e conjunturais.

"Se, de fato, os seres humanos são criativos antes da escola e, ao chegarem a ela, tornam-se agentes passivos do sistema, estamos mergulhados num fosso de deseducação." (Ghedin, 2008, p. 68).

O que nos coloca o desafio de lançarmo-nos no tempo como visionários da poesia ausente, e, ainda que sem eco, de um espaço de livre pensamento, dentro das cadeias de tantos currículos engradeados e docências engessadas ao mecanismo reprodutivista do sistema de notas, num espaço em que quase sempre impera mais as relações "normativas que afetivas" (Delizoicov, 2007, p. 141).

Referências

ALVES, Rubem. A planície e o abismo. SP: Paulus, 1987 (Coleção: Estórias para pequenos e grandes).

DELIZOICOV, Demétrio, ANGOTTI, José A,. PERNAMBUCO, Marta M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. SP: Cortez, 2007.

GHEDIN, Evandro. Ensino de Filosofia no Ensino Médio. SP: Cortez, 2008.
Atenciosamente,

Jorge Leão
Professor de Filosofia do Campus Monte Castelo - IFMA







sexta-feira, 13 de julho de 2012

De frente pro crime

No dia 11 de julho de 2012, com a turma 504, de Química, trabalhamos a questão: o ser humano, um ser que faz escolhas.
Foi trabalhado um texto, e em seguida apliquei a dinâmica dos três papéis, em que cada um deveria escrever em um pedaço: uma qualidade pessoal, um valor para a vida e uma pessoa que representasse uma referência. Depois, eles teriam que descartar dois papéis e ficar com o último, a fim de responder a pergunta: "que tesouro há oculto aqui?".
O debate foi muito bom, seguido da música "De frente pro crime", de João Bosco e Aldir Blanc. Eis a letra da música:

De frente pro crime
João Bosco - Aldir Blanc

Tá lá o corpo estendido no chão
em vez de rosto uma foto de um gol,
em vez de reza uma praga de alguém,
e um silêncio servindo de amém...

O bar mais perto depressa lotou,
malandro junto com trabalhador,
um homem subiu na mesa do bar,
e fez discurso pra vereador...

Veio o camelô vender anel, cordão, perfume barato,
baiana pra fazer pastel e um bom churrasco de gato.
Quatro horas da manhã baixou o santo na porta bandeira
e a moçada resolveu parar e então...

Tá lá o corpo estendido no chão... 
em vez de rosto uma foto de um gol,
em vez de reza uma praga de alguém,
e um silêncio servindo de amém...

Sem pressa foi cada um pro seu lado
pensando numa mulher ou num time
olhei o corpo no chão e fechei
minha janela de frente pro crime...

Veio o camelô vender anel...
 (repete o refrão 4x)

Temas como indiferença, oportunismo e escolhas circunstanciais foram apontados como ligados à estrutura narrativa da música. O narrador-observador vê tudo de sua janela, enquanto várias pessoas em torno do corpo sentem-se movidas a fazerem daquele fato um pretexto para alcançar garantias de momento.
O debate oportunizou ampliar a discussão sobre conceitos como "habitação", "ethos" e "liberdade". Além de envolver a turma com a melodia ritmada pela interpretação do grupo vocal MPB4. Foi bastante estimulante ouvir, ao fim da aula, o coro da turma com o refrão da música.

domingo, 20 de maio de 2012

Nascidos em Bordeis (EUA, 2005)

Filme documentário, vencedor do Oscar em 2005, capta de modo direto e emocionante a história de crianças em uma situação extremada de abandono e exclusão.

Com a direção de Ross Kauffman, a fotógrafa Zana Briski passa a estabelecer de modo corajoso e tocante uma relação de profunda esperança com aquelas crianças.

No cenário dos bordeis, no bairro da Luz Vermelha, na periferia da cidade de Calcutá, na India, a diretora Zana Briski (tia Zana, como ficou conhecida entre as crianças) leva àquela situação terrível uma luz no fim do túnel, dando um curso de fotografia e fornecendo-lhes máquinas fotográficas para que elas registrem o seu olhar sobre o mundo que as cerca.

O resultado é uma exposição das fotos em Nova York, onde ela consegue divulgar a experiência e arrecadar fundos para tentar tirar as crianças da situação calamitosa em que se encontravam, dando-lhes oportunidade de estudar em um internato, em Calcutá, e também de participarem de uma exposição de seus trabalhos em uma grande livraria desta cidade.

A extrema sensibilidade de Zana Briski nos faz pensar sobre que valores sustentam o poder de um sistema fadado à pobreza e a consequente quebra dos sonhos no olhar de um ser humano que ainda está começando a despertar para a nua e crua realidade da vida. A saída dos muros dos bordeis para uma visita a um zoológico e depois à praia são dois momentos emocionantes do filme.

Pude trabalhar este filme com a turma 301, de Design de Produto, e estabelecer um debate com um texto lido sobre ética, em que destacamos alguns pontos, tais como: que conceito de valores nos passa a situação daquelas crianças? Como o ser de cuidado e afetos é considerado na apresentação do argumento do filme? Em que podemos relacionar a experiência relatada no filme com uma ética da responsabilidade solidária?

Percebi o quanto o filme ajudou-nos a pensar mais profundamente tais questionamentos...

Abraços,

Até uma próxima aula..

Jorge Leão

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Poema a Gonçalves Dias


Vibrante, és fecundo nos dias.
Cantando ao nativo as memórias...
Das noites o que mais tu serias,
senão o clamor nas histórias...

No poema, sobre o lamento e a dor...
Traduziste a canção do Piaga.
Deste solo pisado em furor
Por quem nestas matas indaga...

Teus passos nas ruas sentindo...
Acordo, neste solo, gemendo.
Ouvindo o teu canto sumindo,
Diante do ódio crescendo...

Revejo, porém, tua face
aos desejos inglórios da vida...
Recanto à criança que nasce,
Teu poema nesta terra ferida...

Por que, ao dizer do senhor...
O cenário é de morte e de cruz.
Por tal irascível clamor,
Volta o sangue, o martírio, em Jesus...

O pão sepultado em sementes,
agora escondido do vil Anhangá,
que chega provendo as torrentes
num desterro da tribo a clamar...

Inimigo das matas em trevas,
chega o tempo da anulação...
Deste povo, feito réu de suas ervas,
que outrora fecundavam este chão...

Foste, contudo, a voz, o percurso...
Entre viagens e dores sem par.
Teu povo nativo em concurso,
sem ver a própria ruína a chegar...

Tua pena, teu amor tão incerto.
Desbotando a recusa sem preço,
a manter a lembrança por perto,
como quem reza as contas de um terço.
Na praça, tuas cartas amadas
no silêncio vencido por dote.
Histórias inteiras contadas
como segredo no fundo de um pote.

Dias e noites, a lua cantada.
Tribos letárgicas ao passo de alerta:
é o espectro dissecando a cilada
do invasor nesta terra in-coberta...

Ao teu canto, o Piaga concede
a lembrança de um tempo em desterro...
Aviltando a terra que mede
a distância dilatando este erro.
Dias e noites, revejo o exílio
da sina de um povo insultado.
Hoje, a buscar ainda o seu brilho
no poeta, por seu canto lembrado...

Cantando a saudade além mar.
Em Coimbra, robustos segredos...
Trazidos à pena, ao deitar
em teus cantos, o assombro dos medos...

Em terras distantes, pesadas lembranças.
Dos primores, as palmeiras, o vento...
Agora, vejo-te imóvel, diante das danças,
que refazem em tuas mãos aquele momento.

Poeta nativo das várzeas floridas.
Emerge à lembrança um triste sinal:
emaranhado de lembranças perdidas,
por este retorno à terra natal...


Jorge Leão
16 de maio de 2012.





segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cidade passante...
Tão leve a condução das horas
na agonia do esquecimento...
Tão breve a perdição das moiras
nas ondas do mar adentro.

Tão perto o ribeirão das hortas
no desvio do corpo ao vento...
que anseia a chegar às portas
do céu sem esquecimento.

Tão perto a cidade ecoa
a memória dos segredos idos.
No esconderijo da pedra à toa
pelas calçadas destes becos sidos...

A lembrança da porta e janela
neste sobrado de meia morada.
Resplandece no altar sem vela,
corroendo o corrimão da escada.

Tão sãs as palavras dadas
nos tempos do Liceu imortal.
Agora, como dunas ilhadas,
vejo-te perdida na avenida central.

Tão verde os mastros da bandeira,
Arrancados os paus da mata em mangue.
Dos rios poluídos pela sujeira
Da química a secar teu sangue...

Ressoa em ti os delírios do passado.
Lendas e lampejos poéticos na memória.
Acorda com o sino, o corpo conspurcado,
nas ruas e ladeiras de tua história.

Tão leve e tão pesada,
Vejo-te, cidade minha, afundando
com a força de uma serpente entoada
pelos ditames lendários findando.

A cada esquina um dizer em jornal.
Hiato caminho à posteridade...
Fecundo mirante ao beiral,
daqueles que dormem em precariedade.

Trazendo assombrados desejos a lume.
Mesmo com a certeza das perdas.
Acordo aturdido nos telhados sem curtume
Dos bois celebrados sem tendas...

Que possam amparar os buracos do chão,
segredando a miséria da vida.
Ao ver no pedaço de um duro pão
a passagem da memória perdida...

Becos que se esvaem em risos e ecos...
ainda fruto dos passos ao vento.
De nós mesmos, colunas sem tetos,
a despertar de um vil juramento...

De que nesta ilha os amores reluzem
pelas ondas do encantamento.
Vejo-te, porém, sem mãos que traduzem
o teu passado, fecundo rebento...


Jorge Leão
12 de maio de 2012







quinta-feira, 19 de abril de 2012

A teoria do conhecimento sob o olhar não cotidiano

A teoria do conhecimento sob o olhar não cotidiano

Os conceitos epistemológicos trabalhados foram: percepção, imagem e
representação. A atividade sugerida nasceu da ideia de realizar uma intervenção
fotográfica no campus Monte Castelo, a partir da releitura do conceito de
espaço, em termos epistemológicos e éticos.

As turmas foram divididas em equipes menores, para melhor divisão das
tarefas. Durante a apresentação das fotos e dos vídeos editados pelas equipes, o
debate girou em torno da relação do cenário em foco, ambientado sob o olhar não
cotidiano, isto é, a captação das imagens possibilitou uma ressignificação da
história e da memória deste espaço.

As questões giraram em torno da preservação do patrimônio e da memória
histórica. Vários aspectos críticos foram apresentados, levando em consideração
os itens em debate. A turma pôde perceber que não nos damos conta dos problemas
que existem na escola, como lixo eletrônico, espaços abandonados, material
escolar sem uso, como carteiras, mesas e peças de valor histórico, abandonadas
pela passagem dos anos e pelo descuido da instituição sobre sua própria
historicidade.

A próxima etapa será levar este acervo audio-visual, e apresentar à direção
geral do campus, a fim de que possam ser tomadas algumas providências e
transformadas as reivindicações dos alunos em projetos que apontem soluções
práticas, inclusivas e sustentáveis para o olhar que estamos dando à nossa
realidade.

Como momento avaliativo, as turmas foram levadas a inserir as teorias
epistemológicas estudadas sob o ponto de vista de uma visão mais acurada de
nosso patrimônio, assim como poder relacionar conceitos como racionalidade,
empiria, dúvida metódica, sensibilidade, percepção e representação de modo
contextualizado e significativo para suas vivências como estudantes e pessoas
que habitam um espaço sem memória histórica (assim como acontece em nossa
cidade).

Os próximos trabalhos serão feitos em relação ao cenário da cidade de São
Luís, em que as turmas dos cursos de Quimica (504), Eletrotécnica (502) e
Comunicação Visual (301), terão como tarefa observar como o tema da pesquisa,
que visa aproximar a leitura da teoria do conhecimento, da ética e da estética,
a partir da cidade de São Luís.

Desse modo, teremos mais dois meses de trabalho para socializar este material
na escola, entre as turmas participantes e alguns professores envolvidos no
projeto São Luís 400 anos de história e o IFMA no cenário dessa história.

Agradecido pela atenção,

Até o próximo relato,

At

Jorge Leão

Professor de Filosofia do IFMA - Campus São Luís Monte Castelo

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Questões filosóficas nos filmes a partir da dúvida metódica cartesiana

Descartes no cinema...
O roteiro de estudo e as questões apresentadas às turmas, no contexto do estudo sobre dúvida metódica, racionalismo, empirismo, ceticismo, dogmatismo, foram os seguintes:
1 - Aprofundar o estudo sobre as teorias epistemológicas (história da filosofia);
2 - Destacar os principais problemas epistemológicos do filme;
3 - Discutir os temas em grupo e elaborar uma apresentação crítica e criativa, envolvendo domíno de conteúdo e ludicidade (originalidade);
4 - Elaborar individualmente um resumo crítico, relacionando os temas abordados e os principais problemas filosóficos em destaque, tendo como referenciais o argumento fílmico e a exposição das ideias mais relevantes sobre o assunto estudado em sala de aula;
5 - Depois da apresentação de cada equipe, a turma faz questões, apresenta dúvidas e sugestões sobre a apresentação dos colegas que apresentaram.
Este foi o roteiro seguindo nas apresentações das turmas 404 (Química), 204 (Eletrônica), 602 (Eletrônica) e 605 (Telecomunicações).
O desempenho das mesmas foi excelente!
até uma próxima sessão de cine e filosofia no IFMA...
at
Jorge Leão

Experiências com o cinema no segundo semestre de 2011




Experiências com o cinema no segundo semestre de 2011
Neste semestre, trabalhei com as turmas de filosofia, nos cursos integrados, uma outra forma de levar o cinema à sala de aula. Dividi-as em grupos (quatro ou cinco, conforme o numero de estudantes em cada turma), e cada um deles abordou um filme, a partir de dois assuntos estudados: teoria do conhecimento (nas turmas 404 - Química - e 204 - Eletrônica) e valores, liberdade e ética (turmas 602 - Eletrônica - e 605 - Telecomunicações).
A experiência obtida foi muito rica. Os assuntos foram debatidos com interesse e criatividade. Depois, houve debates muito interessantes. Os filmes analisados foram os seguintes: A vila, O Clube da Luta, Bicho de Sete Cabeças, The Matrix e O Nome da Rosa (sobre as teorias epistemológicas), e Gandhi, A lingua das mariposas, Mississipi em Chamas, 1984 e A sociedade dos poetas mortos (sobre o tema valores, liberdade e ética).
A avaliação que faço é excelente. O momento de descoberta destes temas polêmicos e complexos tornou-se possível pela fascinante possibilidade de adentrar no vasto campo filosófico em que se situam os mesmos por meio de trabalhos estéticos capazes de gerar grandes discussões e reflexões.
As turmas também avaliaram positivamente essa metodologia. Vou agora buscar novos elementos para seguir neste rumo. Novos filmes e temas, a fim de ampliar o gosto pelo estudo da filosofia e de sua aproximação com a vida dos estudantes.
Valeu, pessoal! Até um próximo comentário sobre nossos caminhos pela fértil relação entre filosofia e cinema, merecendo destaque para os esforços de cada um que se envolveu nas pesquisas, com responsabilidade, conteúdos contextualizados e um rico desenvolvimento crítico dos temas.
Até breve!
vejo vocês na próxima sessão de filmes filosóficos...
abraçs
Jorge Leão

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Conflitos epistemológicos em "O Nome da Rosa"...


Conflitos epistemológicos em "O Nome da Rosa"...

A trama do filme ocorre no ano de 1327, num mosteiro no norte da Itália. É baseada no livro homônimo, do escritor italiano Umberto Eco.

Um monge franciscano, William de Baskerville (interpretado pelo ator Sean Connery), e um noviço, Adso von Melk (vivido por Christian Slater), aproximam-se de um lugar misterioso, frio e distante de tudo, para um conclave, que iria decidir se a igreja deveria tomar posse de suas riquezas, ou ser pobre, desapegada de bens materiais. Um bom mote, para um cenário de grandes surpresas e conflitos.

Durante sete dias ocorrem sete assassinatos, o que desperta uma investigação cuidadosa por parte do monge e de seu pupilo. No entanto, tal atitude será combatida pelos beneditinos, que comandam o mosteiro, e atribuem as mortes às artimanhas malignas do diabo.

Chega então o Grão Inquisidor, Bernardo Gui, para pôr fim a qualquer suspeita de heresia, cometida em nome das artimanhas do maligno. Este aspecto reconduz a trama para o limite de um conflito entre William e Bernardo, uma vez que este defende a ideia de que as mortes são, de fato, obras de um espírito maligno, que aterrorizava o mosteiro.

A trama se esclarece, quando surge em cena a discussão sobre um livro de Aristóteles, que seria considerado perigoso à doutrina católica de então. É desse modo que William começa a juntar as pedras deste intrincado quebra-cabeça. Tudo por conta do riso. Isso mesmo. Lá, nas páginas de Aristóteles, o riso configura um elemento capaz de oferecer satisfação ao espírito. O que, na interpretação dos beneditinos, constituía uma afronta ao próprio Deus, uma vez que, segundo eles, o silêncio e a prece são condições para uma proximidade com o divino. Qualquer espaço para um cômico deslize, e a alma estaria confinada ao inferno.

Neste caminho de busca por um lado e mistério por outro, surge o caminho que dá para uma enorme biblioteca. O labirinto em que se encontra uma das maiores bibliotecas da Cristandade é um símbolo interessante, na busca empreendida por William e Adso, rumo à descoberta da verdade. Neste labirinto ocorre a dramática queima dos livros. O que nos passa um cenário de destruição, e de tentativa a todo custo de manutenção do poder, por parte da ideologia dominante da igreja.

No fim, Adso vive o drama do amor a uma bela jovem, que vive com ele uma experiência sexual passageira, mas intensa, que o marca profundamente. Ele, porém, resolve seguir viagem com o seu mestre, e continuar desbravando os caminhos do conhecimento.

Neste debate, pude trabalhar com os estudantes temas como: controle ideológico, conflitos de poder no processo da busca pela verdade, dogmatismo ingênuo, racionalismo, nominalismo. Sendo bastante oportuna a compreensão de que havia uma estreita relação entre a situação vivida pela filosofia na Baixa Idade Média (período em que se dá a trama do filme) e sua influência na formação cultural européia no processo de transição do modelo teocêntrico para a racionalidade renascentista, que começava a despontar nos círculos acadêmicos, de modo gradativo e consistente.

Vamos chamar então os professores de História, Artes, Sociologia e História da Ciência, para um debate filosófico sobre "O Nome da Rosa". Penso que será um projeto muito bom para todos que se aproximarem e participarem.

Até o próximo cine filosófico em sala de aula...

Jorge Leão

04 de fevereiro de 2012.

Sobre a passagem do tempo no poema "Sentimento do Mundo"

Sobre a passagem do tempo no poema "Sentimento do Mundo"

O tempo como problema filosófico constitui de fato um debate que instiga muitos filósofos ao longo da história. De modo geral, posso falar do tempo como passagem, isto é, como sucessão de acontecimentos dentro de um período, o que dá o caráter cronológico ao tempo.

Num segundo momento, trabalho com o tempo psicológico. A impressão subjetiva que um fato me causa. Por exemplo, posso dizer que a música de Mozart me causa contentamento e elevação, quando a ouço. Ou ainda, que o pôr do sol me passa leveza e paz de espírito. Isto é característico de quando nos lançamos de modo desinteressado às obras de arte.

O terceiro elemento do tempo é o existencial, que nos remete ao sentido pleno da vida. Perguntas arquetípicas como "o que é Deus", "por que morremos", "qual o sentido da existência", "é possível a felicidade diante da dor e da morte", são aspectos que nos remetem assim ao tempo dos filósofos, isto é, daqueles que buscam incessantemente o conhecimento da verdade.

Tomemos agora, como possibilidade de uma hermenêutica do tempo, o poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado "Sentimento do Mundo" (do livro homônimo, do ano de 1940). O poeta inicia com os versos:

Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.

As palavras "mãos"e "corpo" nos colocam o tempo cronológico, como evidência primeira da materialidade situada na história. Com a relação das "lembranças" escorrendo, e o corpo transigindo na "confluência do amor", já nos diz algo da percepção que o poeta tem de sua situação mundana, como ser que estabelece um "sentimento do mundo". O que nos confronta com o tempo psicológico.

Na segunda estrofe, temos:

Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto;
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.

O tempo cronológico está presente em "quando me levantar", acompanhado do sentimento de que "eu mesmo estarei morto", "morto meu desejo", o que nos remete mais uma vez ao encontro do tempo psicológico. No fim, porém, a expressão "pântano sem acordes" parece nos indicar uma imagem de profunda ausência de sentido diante da dor e da morte.

Seguindo o poema, encontro as palavras:

Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
Anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.

O poeta encontra-se no drama de uma decisão, ao fazer do tempo uma escolha: ir à guerra ou debandar da luta. Isto causa a dispersão, e a necessidade de recuperar a confiança perdida, ilustrando o aspecto psicológico deste cenário em conflito.

Na última estrofe, nos fala Drummond:

Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microcopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer

esse amanhecer
mais noite que a noite.

Mais uma vez ocorre o tempo cronológico em contraponto ao psicológico, quando a passagem dos corpos diz da solidão e da memória habitada pela lembrança de um passado incerto, mas que em seu amanhecer anuncia o prelúdio de um novo começo.

Estes elementos poéticos são indicações fecundas para a relação da filosofia com a temporalidade. Isto é, a percepção subjetiva, a certeza do fim e a busca por um sentido último para a existência. Nesta transparência poética, há uma ponte que liga as mãos do poeta ao "sentimento do mundo". Limitar o tempo apenas à passagem fatídica, é o mesmo que fazer da vida um começo previsto com um fim incerto. Neste poema, a riqueza de metáforas pode confrontar a morte com a abertura do sentido existencial, e a vitalidade do corpo que insiste em "transigir na confluência do amor".

Jorge Leão
Em 04 de fevereiro de 2012