terça-feira, 21 de dezembro de 2010


Debate e dinâmica com os temas do filme "Escritores da liberdade"
No dia 20 de dezembro de 2010, segunda-feira, na turma 404, do curso de Informática, trabalhei o tema diversidade cultural, preconceito e sistemas totalitários. Foi o último encontro com esta turma maravilhosa.
O filme-texto destacado foi "Escritores da liberdade" (EUA, 2007), com a brilhante atuação de Hilary Swank, no papel da brilhante professora Erin Gruwell. O filme marca uma história real, cujo fecho foi a publicação dos livros destes alunos, no ano de 1999, até então consideradas pessoas insubordinadas, violentas e incapazes de superarem os limites que a violência social e a desestrutura familiar haviam imposto sobre suas vidas.
Seguindo o ritmo da revolução ética por uma profunda vontade de transformação individual e coletiva, orientado pela Professora G. (como ficou conhecida carinhosamente por seus alunos), as vidas daqueles jovens foram profundamente modificadas. Este filme é um ótimo texto para trabalharmos em sala de aula os temas: violência urbana, discriminação étnica, preconceito, papel social da escola e sistemas totalitários.
Depois de debatermos sobre o filme (nas duas últimas aulas ele foi assistido e comentado) a turma foi dividida por numeração em cinco grupos, sendo que cada um representou uma etnia:
1 - Brancos; 2 - Negros; 3 - Latinos; 4 - Chineses; 5 - Judeus.
Depois o grupo 1 fez um questionamento sobre os temas abordados nas aulas a partir do filme para o grupo 5. Em seguida, trabalhei a música "Só se for a dois" (Cazuza), onde o grupo 2 fez uma pergunta para o grupo 3, a respeito de algum trecho da referida música, a fim de correlacioná-lo com a temática discutida. E por último, o grupo 4 dramatizou uma cena do filme, para que todos pudessem discuti-la. Ao final, os grupos avaliaram a dinâmica, retomando alguns pontos do filme e dos temas trabalhados na última unidade da disciplina de Sociologia.
Foi excelente a possibilidade de reler este filme, por meio de uma dinâmica interativa com a turma 404.
Até o próximo encontro...
Jorge Leão
21-12-2010

sábado, 13 de novembro de 2010

Roteiro para estudo com o filme "The Matrix"


Caros colegas, seguem algumas sugestões e experiências com o filme "The Matrix" (EUA, 1999) - roteiro de estudo em sala de aula. Esse projeto vem sendo trabalhado com o título Sócrates, Matrix e a Filosofia.
1 - O que é a Matrix?
2 - Temas recorrentes para análise: filosofia socrática, aparência, realidade, autoconhecimento, liberdade, amor.
3 - As correlações com o Budismo (equilíbrio corpo-mente)
4 - Análise filosófica dos personagens: Morpheus, Neo, Trinity, Oráculo, Agente Smith.
5 - Situação problema: o que a matrix nos impede de perceber?
6 - Tarefa conjunta: a turma pode criar uma "matrix" e mostrar as possibilidades de dela escapar, seguindo o roteiro de estudo e as discussões apontadas em sala. Apresentar de modo criativo para a turma.
Como se trata de um texto vasto e polissêmico, o professor pode ainda expandir o debate, trazendo referências literárias e fílmicas, tais como: 1984, de George Orwell, o filme "A Vila" ou ainda "Escute, Zé Ninguém", de Wilhelm Reich, ou alguns contos de Machado de Assis, como Teoria do Medalhão, Conto de Escola e Ex catedra (trabalhando relativização dos valores éticos e a escola como aparelho ideológico de dominação), além da música do Pink Floyd, "Another brick in the wall".
O conceito de sistema de controle (eficácia + ajustamento) pode ainda ajudar a compreender melhor o argumento apresentado pelos irmãos Andy e Larry Wachowscki, diretores do filme.
Bom trabalho!
Liberte sua mente!...
Abraços cinéfilos!
Jorge Leão

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Uma música com anima

Uma música com anima

Hoje, dia 4 de novembro de 2010, trabalhei com a turma 203 de Eletrônica, a música Anima, cujo foco central foi a filosofia socrática. A partir da tese de que “o homem é a sua alma”, e do enfoque de que somos seres pensantes, seguimos com a relação com a “normose” (citei o Professor Hermógenes, e o seu entendimento do que vem a ser a “normose”), após citando a Matrix (do filme The Matrix, que estou a trabalhar com eles), não permitindo tais elementos o mergulho na essência de nós mesmos.

É esta a saída necessária da caverna, de que nos fala Platão, e que na música entra em destaque, quando os autores colocam: “Alma, vai além de tudo o que o nosso mundo ousa perceber. Casa cheia de coragem, vida, tira a mancha que há no meu ser. Te quero ver, te quero ser, alma”.
Ainda foi possível enfatizar o texto de Karl Jaspers, “a filosofia no mundo” (de sua obra Introdução ao pensamento filosófico), como experiência fundamental para o amadurecimento espiritual do ser humano. Na música, o trecho: “Lapidar minha procura toda, trama, lapidar o que o coração com toda inspiração achou de nomear gritando, alma”, é ilustrativo para o fecundo trabalho de uma necessária saída do imediatismo previsível (normose) em que a corrida pelos bens materiais nos engaiola.

Filosofia é, pois, um processo constante de recriação de novos mundos, assim como a arte. Traz a música este aspecto, ao nos dizer: “Viajar nessa procura toda de me lapidar, neste momento, agora, de me recriar. De me gratificar, te busco, alma, eu sei”.

A filosofia nos instiga, portanto, a descobrir o seu ensino. Sócrates afirma que o conhecimento está dentro da alma, mas que, quase sempre, precisamos de um “mentor”, o parteiro, para nos ajudar na dolorosa saída da caverna (como o Morpheus, do filme The Matrix). É na casa do conhecimento pela verdade que o homem é verdadeiramente livre. O amor pela sabedoria(filosofia) é a chave para a conquista da auto-realização. É lá que se acha a morada dos filósofos. Eis como a música nos fala disso: “Casa aberta onde mora um mestre, o mago da luz, onde se encontra o templo que inventa a cor, animará o amor”...

Para finalizar, deixo com vocês a letra da música:

Anima José Renato / Milton Nascimento

Alma, vai além de tudo o que o nosso mundo ousa perceber Casa cheia de coragem, vida, tira a mancha que há no meu ser Te quero ver, te quero ser, alma... Lapidar minha procura toda, trama, lapidar o que o coração com toda inspiração achou de nomear gritando, alma...Recriar cada momento belo já vivido e ir mais, atravessar fronteiras do amanhecer e ao entardecer olhar com calma então...Alma, vai além de tudo o que o nosso mundo ousa perceberCasa cheia de coragem, vida, tira a mancha que há no meu serTe quero ver, te quero ser, alma...Viajar nessa procura toda de me lapidar, neste momento, agora, de me recriarDe me gratificar, te busco, alma, eu sei...Casa aberta onde mora um mestre, o mago da luz, onde se encontra o templo que inventa a cor, animará o amor... onde se esquece a paz...Alma, vai além de tudo o que o nosso mundo ousa perceber. Casa cheia de coragem, vida, todo afeto que há no meu ser. Te quero ver, te quero ser, alma...Te quero ser, alma... te quero ser, alma... te quero ser... Além da belíssima interpretação do grupo “Boca Livre”, do qual o Zé Renato faz parte. Alguns alunos perceberam certos detalhes interessantes da letra, com a temática da filosofia. Outra música oportuna, de profundo conteúdo filosófico.

Abraços anímicos...

Jorge Leão
Professor de Filosofia do IFMA – Campus Monte Castelo

Comentário sobre a música DAQUILO QUE EU SEI, de Ivan Lins

Comentário sobre a música DAQUILO QUE EU SEI, de Ivan Lins

Nesta música, encontra-se um texto bastante interessante que pode ser relacionado com os modos de conhecer, podendo ser enfatizado: o percurso da dúvida (em Descartes), os limites da elaboração cognitiva (a partir do criticismo kantiano), e os usos dos sentidos (em filósofos como Aristóteles, Locke e Hume).

A música inteira é um convite para o contato direto dos alunos com o processo do conhecimento. Eis a letra:

Daquilo que eu sei nem tudo me deu clareza. Nem tudo foi permitido. Nem tudo me deu certeza. Daquilo que eu sei nem tudo foi proibido. Nem tudo me foi possível. Nem tudo foi concebido. Não fechei os olhos Não tapei os ouvidos. Cheirei, toquei, provei. Ah! Eu usei todos os sentidos. Só não lavei as mãos.
E é por isso que eu me sinto.
Cada vez mais limpo Cada vez mais lim. . . po. Cada vez mais. . .Limpo. . . .

Assim, penso que é interessante trabalharmos na música os diferentes modos de conhecer a realidade, dando ênfase, sobretudo, à percepção sensível, e sobre a capacidade de extrair da experiência o máximo de vivacidade, quando ele afirma: “eu usei todos os sentidos. Não só não lavei as mãos, e é por isso que eu me sinto cada vez mais limpo”.

Uma sugestiva opção para a introdução à teoria do conhecimento.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do IFMA – Campus Monte Castelo

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Uma viagem com Kenji Mizoguchi


Uma viagem com Kenji Mizoguchi
O Intendente Sancho (Japão, 1954) é o filme que exibimos no último dia 03 de setembro, no projeto Cine Filosófico. Dirigido pelo diretor Mizoguchi, o filme traz como tema e mote arquetípico a viagem em busca da mãe.
Duas crianças, Sushio e Anju, vivem o drama da separação de suas famílias, primeiro do pai, e em seguida também a violência com são arracandos do convívio com a mãe.
O enredo destaca o papel marcante dos princípios éticos da honra, da misericórdia e da lealdade, como elementos centrais no contexto desta viagem arquetípica. Para o filho é dito pelo pai-governador: "Sem piedade, o homem é como uma besta. Mesmo se você for severo consigo mesmo, seja misericordioso com os outros. Todos os homens são criados da mesma forma. Toda pessoa tem direito a ter felicidade". Palavras que marcam para sempre a lembrança do menino Sushio. Ele recebe como lembrança o amoleto da deusa da misericórdia Kwannon. "Mantenha este princípio em homenagem a minha memória". Tais palavras ecoarão como mandamentos sagrados na história de vida daquela criança, de sua irmã e de sua mãe.
As crianças, como disse a pouco, são tiradas do convívio da mãe de modo cruel, e levadas a um campo de trabalho escravo, controlado pelo Intendente Sancho. Os irmãos crescem, e a maldade parece poder penetrar o coração de Sushio, que marca com ferro em brasa o rosto de um homem velho que tentava escapar do campo. Anju lamenta tristemente o fato...
Ela depois escuta uma jovem cantando um lamento, e reconhece ser o canto saudoso de sua mãe exilada na ilha de Sado. Ao receber a incumbência de abandonar uma senhora doente, Sushio, conhecido na aldeia como Mutsu, lembra-se de uma cena de infância quebrando o galho de uma árvore com sua irmã. Esta recordação é suficiente para Anju perceber que seu irmão é essencialmente uma pessoa boa. Resolvem então fugir. Somente ele escapa. Sua irmã pede que ele salve a sua vida e a vida da senhora doente. Ela, por sua vez, resolve entregar-se às águas do rio, ouvindo a canção de sua mãe.
Sushio chega a um templo budista, indicado pela última conversa que teve com Anju antes de partir, e é recebido pelo monge Taro-samo, que também escapara das garras do Intendente Sancho. A senhora doente é acolhida. O monge, porém, descrente dos propósitos de Sushio em fazer justiça e denunciar o Intendente, diz a ele o seguinte ensinamento: "ao menos que os corações possam ser mudados, o mundo que você sonha não pode ser real. Se você deseja viver honestamente com a sua consciência, é preciso se manter perto de Buda".
Mas, obstinado pelo senso de justiça impregnado em sua alma pelas palavras de seu pai, Sushio parte para denunciar Sancho ao Conselheiro-Chefe, que o nomea governador da província, pois reconhece nele a honra e a fidelidade à memória de seu pai. Quando assume o governo, instaura a proibição do trabalho escravo, o que causa ódio ao dono da Mansão do Ministro do Direito. Todos os homens, mulheres e crianças estavam a partir daquele momento, livres. O povo festeja. Ele, por sua vez, entrega o cargo e vai para a ilha de Sado encontrar sua mãe.
Chegando à praia, reconhece o canto lamento da mãe. Eles finalmente se reecontram. Ela não crer ser o filho que voltou. Já sem poder enxergar, somente o amuleto da deusa a faz reconhecer a presença verdadeira do filho. A mãe, sofrendo com a ausência da filha, diz a Sushio que o reecontro somente foi possível pois ele fora capaz de cumprir os ensinamentos do pai.
Belíssimo enredo, oportuno argumento para trazer à tona temas polêmicos, como princípios éticos: cumpri-los ou esquecê-los em nome das vantagens do poder? valores familiares, fidelidade à memória dos pais.
Além, é claro, do tema de fundo - a busca arquetípica pela mãe - brilhantemente conduzido pela exímia direção de Kenji Mizoguchi.
Até mais um cine filosófico...
Jorge Leão
Terça-feira
06 de setembro de 2010

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Reconciliado pela janela...


Reconciliado pela janela...
A película "A Janela" (La Ventana), do diretor argentino Carlos Sorín, foi exibido no projeto Cine Filosófico, no último dia 27 de agosto de 2010.
O tema da reconciliação com a imagem da mãe, dentro das imagens arquétipicas do sonho (o protagonista inicia dizendo que "teve um sonho estranho"), da casa, da porta, da face e o duplo plano de luz, contrastando com a penumbra do quarto. Belíssima plástica fotográfica para resgatar a estética da casa reconciliada pelas lembranças que se abrem pela janela do quarto.
Em seguida, o tempo, das profundas campinas do sentimento. Vemos o som dos relógios. Toques diferentes para o mesmo chamado. Um instante apenas, e a vida se foi. Depois de 80 anos, as recordações são parte de um momento único de rever o filho, que é aguardado ansiosamente.
"Não quero receber o Pablo como um doente". Ele se volta para a janela. A paisagem lá fora... tudo refaz no velho escritor um livro ainda a ser escrito, o da sua última caminhada...
Por isso, cada imagem é única. Cada gesto é sutilmente percebido como a memória a renascer das cinzas. "Hoje eu quero passear pela horta para ver como ficou depois da tempestade"...
A visita do médico. Nada a considerar quando é apenas a pressão sangüínea o único motivo da conversa. Antônio desconsidera a tensão fisiológica de seu estado. Ele quer abraçar a vida com o presente de Borges. Ele oferece ao médico um exemplar da "História Universal da Infâmia", do escritor argentino, em primeira edição, com dedicatória do próprio autor. Era o que ele tinha de mais precioso. Quando parece que chega o fim, todas as posses perdem sua validade. Tudo torna-se gratuidade. Como o tempo, que passa a ser algo tão relativo quanto a abelhinha que insiste em sair pela janela, pois encontrava-se sufocada...
Antônio resolve abrir a janela. Sai a abelhinha. Saiu Antônio... Ele daria a sua última volta ao redor de sua casa, a avistar as campinas e sentir o calor do sol. Qual Dom Quixote a desbravar o seu sonho de liberdade, simbolizado quem sabe pelo cavalo avistado ao longe. Avistar o tempo, e fazer xixi sozinho, que bela imagem em contraponto. Pura relatividade...
Finalmente, o cansaço vence o corpo decrépito. Sentar-se e esperar. É o que nos resta. Mas, esperar deitado nas campinas diante do sol, é bem melhor...
Em seguida, duas belas jovens vêm ao seu auxílio, mas parece que o tempo se cumprira. Ele espera então para ser agraciado pela taça de reconciliação com o filho. O brinde da casa revisitada. A reconciliação suficiente. O brinde, agora!
Lá fora, Pablo pega os dois soldadinhos que ficaram anos e anos entre as cordas do velho piano. Marcas da infância. Ele também vai ao encontro de sua janela.
Por fim, Antônio, na cama, pergunta à namorada do filho: "Estão dançando lá embaixo?". A mãe volta, o beija docemente. O sonho, de volta à casa, os olhares, o silêncio, a penumbra...
As lembranças do fim de volta ao instante originário da reconciliação. Uma bela metáfora sobre a vida, o tempo, a música da reconciliação. Estão mesmo dançando lá embaixo, caro Antônio...
Jorge Leão
Professor de Filosofia do IFMA - Campus Monte Castelo
03 de setembro de 2010

A busca pelo óleo de Lorenzo



A busca pelo óleo de Lorenzo

Filme de 1992, dirigido por George Miller, O óleo de Lorenzo foi trabalhado há poucos dias na sala de Design de Produto, turma 201, quando eu estava a discorrer sobre métodos de pesquisa na ciência.

Pareceu-me instigante o modo como o filme aborda a questão da indissociável relação entre pesquisa científica, interesses econômicos da indústria farmacêutica e o envolvimento dos pais da criança que padecia de uma doença rara e fulminante.

O debate transcorreu envolvendo também as relações éticas e afetivas da pesquisa científica e o quanto a motivação pela cura é algo primordial na dura batalha pela vida. Sobretudo quando nem sempre a ciência médica aborda o tratamento com o mesmo afinco, como a família de quem está envolvido no problema.

Vale muito a reflexão sobre o tema. Atualmente, a ciência, também por isso, já repensa muitas de suas fragilidades no que diz respeito a abordagem médico-paciente, o que tem trazido algum avanço na percepção científica e sócio-afetiva da questão clínica.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do IFMA - Campus Monte Castelo
03 de setembro de 2010

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O círculo trágico e o amor tangente em "Abril Despedaçado"


O círculo trágico e o amor tangente em "Abril Despedaçado".

O filme do diretor Walter Salles, "Abril Despedaçado" (2001) marca a dura e cruel disputa entre duas famílias no interior nordestino, no ano de 1910, movida pela posse da terra, cujo marco central é o ódio e a vingança.

Uma camisa suja de sangue no varal, secando com o vento. Quando amarelar, o desespero será retomado. O personagem Tonho, interpretado por Rodrigo Santoro, tem a incumbência fatídica de levar a cabo a vingança da família Breves, cujo desfecho recente havia sido a morte de seu irmão mais velho.

No chão da casa, a secura escaldante da terra. Lá fora, os bois a girarem a roda para moer a cana. Era o sustento da família que vinha da cana moída, depois transformada em rapadura para ser vendida na cidade. O pai, a mãe e os dois irmãos trabalhavam duro para arrancar da cana decepada o sustento e a sobrevivência. A roda que é roda, pois, inexoravelmente, marca a batida das voltas em torno de um mesmo eixo, para manter-se vivo, para manter-se honrado. A saga da família é sentida pelo grito incessante do pai: “Vai, meu boi... vai...”


Na parede da sala, os quadros estampam as mortes dos que já tiveram sua camisa avermelhada e depois amarelada. Agora é a vez de Tonho sujar de sangue a camisa do assassino de seu irmão, e com isso, manter a honra de sua família incólume. Mais uma morte, mais sangue, Tonho agora teria sua vida dividida entre antes e depois daquela morte. Ele com apenas 2o anos, seria o próximo a morrer...

Tais acontecimentos deixam a cabeça de seu irmão mais novo, até então sem nome, rodeada de medo, até que passam dois viajantes, artistas de um circo popular, que irá se instalar na cidade. A linda jovem dá ao menino um livro, sobre uma sereia encantada. Mesmo sem saber decodificar os significantes, o menino cria um roteiro só para dar vida ao seu livro. Ele não seria mais o mesmo...

Na calada da noite, Tonho leva o menino para ver o circo. Lá, o brilho dos olhos de Tonho resplandece ao ver o semblante firme e destemido da jovem artista, a mesma que entregara o livro a seu irmão. Depois disso, tudo gira em torno da descoberta do amor. Ao contrário do giro da roda dos bois. Os dois voltam para casa radiantes; o menino, pelo espetáculo presenciado, batizado agora pelo artista circense pelo nome de "Pacu", nome de peixe . Tonho, pelo fogo do amor, cuspido pela moça de encontro ao seu peito...

Porém, eles voltam para casa e a roda trágica se dirige agora para Tonho. A camisa amarelara no varal da família inimiga havia secado. Era preciso correr, ou ficar e enfrentar a chegada da morte.

Mas a noite traz consigo o encanto da vida que se renova sob a forma da entrega amorosa. Tonho tem sua primeira noite de amor. Pacu observa que a chuva trouxera a esperança. Ele quer recontar sua estória. Quer ver a sereia. Sai então como se estivesse em transe, recontando, refazendo a leitura de sua vida. O sorriso do menino não pode explicar o desfecho que se aproxima. Ele parece antever que a chuva remexe por dentro aqueles que se abrem para beber sua água. Ele queria virar peixe. Virar "pacu"...

Contudo, para aqueles que estão possuídos pela vingança, o frescor da chuva nada pode fazer. O menino caminha mais uns passos. O seu assassino dispara. Tonho desperta, pressentindo o pior. A casa é despedaçada pela dor mais doída. A perda de um inocente. A roda trágica havia sido quebrada. Pacu, mesmo sem se dar conta, desfez a prisão que era fechada pelas portas da miséria, do abandono e do ódio incomensurável entre duas famílias inimigas.

Tonho sai para o caminho oposto ao da cidade. A encruzilhada é partida. Ele vai encontrar-se com o mar. O filme termina com o mar, e Tonho aturdido diante de sua imensidão, em horizonte por ele redefinido. Para quem se fecha, a dor da solidão. Para quem escapa da roda dos bois, o encontro definitivo com a sereia, com a memória recontada, com o amor envolvido pela chama da entrega.

Quem sabe ele mesmo não estaria ali a esperar por sua sereia? Questões em aberto, para um filme belo, rico em falas simples e sábias, com o teor da beleza penetrando os rincões da dor e do sinal mágico do amor transfigurado pela água a molhar a secura do chão, até então marcado pela marca do sangue e pela sina da vingança. Assim, o círculo da dor é rompido pela tangente do amor em "Abril Despedaçado". Tonho e Pacu se entrelaçam pelas águas da chuva e pela infinitude do mar. É o aberto sentido do sublime que se nos apresenta o desfecho do filme.

Amigos e amigas da sétima arte, essa é a leitura que fiz após a exibição do filme no Cine Filosófico, do dia 14 de maio de 2010.


Abraços cinéfilos.

Jorge Leão

17 de maio de 2010

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Mandamento de professores e médicos...

Mandamento de professores e médicos ...

Quando o professor jura levar conhecimento e ciência para os alunos, no dia de sua formatura, tal empreitada deveria ser comparada a de um médico, que jura, também ao receber o diploma, que irá lutar incondicionalmente pela qualidade de vida de seus pacientes.

Por isso, se me permitam os documentos oficiais, o ofício de um professor pode ser comparado a um de médico. Os dois vivem situações de risco em seu dia-a-dia. Alguns dão receitas. Outros preferem olhar nos olhos de seus alunos. Alguns conversam sobre sua construção de vida. Outros distanciam o olhar de seus pacientes. Alguns receitam remédios. Outros, além disso, fazem seus pacientes e alunos sorrirem. Os remédios, às vezes, não fazem o efeito esperado. Às vezes, médicos e professores passam remédios que não fazem mesmo nenhum efeito, nem a longuíssimo prazo.

Contudo, a palavra final não cabe aqui a mim, que estando na condição de leigo na medicina, encontro-me na consciência inquieta de um professor de filosofia de escola pública. Penso, porém, que educação e medicina deveriam ser vistas como terapias, isto é, como serviços para elevação do ser. Como estas duas escolas estão infelizmente situadas de modo dissociado, as filas nos hospitais retratam o modo como a política do governo pensa a saúde e a educação, uma vez que os corredores das escolas públicas são muito parecidos. Gente sem luz no olhar. Uns com medo da prova, os alunos, opacos. Outros, com medo do exame médico.

Penso também que o risco de uma educação fragmentada é o mesmo da medicina que trata apenas de sintomas do corpo. As duas abordagens matam do mesmo modo. A diferença é que, no caso do professor, aparentemente o óbito é mais demorado.

Se o mandamento de um serviço é doar todos os recursos para a manutenção de seu propósito primordial, tanto na educação como na medicina o alvo é a saúde integral do ser (corpo, mente, psiquismo, espírito), necessariamente então se trata de um esforço individual e coletivo, para que a escola e as clínicas trabalhem conjuntamente. Além da política de governo, que deve efetivamente pensar a realização desta utopia.

Não que os professores saiam da escola para mesas de cirurgia, mas para oportunizar vivências ecológicas no espaço saturado dos hospitais e clínicas. Os médicos, por sua vez, podem prestar serviços valorosos à comunidade escolar e à comunidade em que se situa a escola, como práticas de prevenção de doenças sexuais, viroses, qualidade de vida, alimentação natural.

Assim, os professores levariam a cura aos que perderam a esperança da cura, a alegria da vida, e os médicos seriam educadores para aqueles que andam distraídos de sua saúde, pois acreditam erroneamente que só se adoece quando o sintoma aparece. Os espaços não são engessados fisicamente, escolas e hospitais podem acolher tanto um quanto o outro de modo orgânico. O lugar do professor é o mundo, além da escola deve chegar a espaços como hospitais. O lugar do médico é o mundo, além dos hospitais e clínicas deve visitar espaços como a escola e a comunidade em seu entorno.

Namastê!

Jorge Leão
Professor de Filosofia do Instituto Federal do Maranhão
São Luís, 02 de abril de 2010