quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Comentários dos estudantes sobre a obra "Apologia de Sócrates"


















Caros amigos da filosofia e da arte, compartilho alguns textos do último trabalho realizado pelos jovens filósofos, com a obra "Apologia de Sócrates", na turma 104, do curso Eletrotécnica. Mário e Willame, estudantes atuantes nas aulas, colaboraram muito neste trabalho.

Abraços quixotescos...
Jorge Leão.








APOLOGIA DE SÓCRATES

O texto Apologia de Sócrates escrito por Platão, trata da autodefesa de Sócrates, dos seus últimos momentos vivo, antes de sua condenação, mostra o seu último diálogo feito aos cidadãos atenienses e a todo o mundo. O mais impressionante é que ele tentava mostrar a verdade e revelar a sabedoria presente nos lugares mais improváveis, atacando seus acusadores que se julgavam “sábios”, mas que na verdade não eram e os que eram chamados de “ignorantes” eram, na verdade, os mais sábios de todos.

O texto fala bastante de várias emoções, virtudes, sobre as quais gira toda a defesa de Sócrates:

VERDADE = Talvez a principal idéia do texto, Sócrates prefere morrer contando a verdade a viver sabendo que os cidadãos atenienses continuavam vivendo num mundo de mentiras. Foi um dos mais fortes argumentos que ele usou contra seus acusadores.

SABEDORIA = Foi principal argumento usado por Sócrates em sua defesa. E se realmente tivessem feito justiça, Sócrates seria absolvido somente com o seu diálogo com Meleto sobre sabedoria, em que Sócrates tentava se defender das acusações feitas sobre ele.

DIÁLOGO = A vida toda de Sócrates girou em torno do diálogo. E seus últimos momentos de vida não poderiam ser diferentes, o livro “Apologia de Sócrates” escrito por Platão, conta o seu último diálogo com os cidadãos atenienses, em que ele pede para que os cidadãos não se preocupem com as suas próprias coisas, mas que possam buscar a sabedoria, a verdade e a honestidade: “Voltava-me, [...], procurando persuadir cada um de vós a não se preocupar demasiadamente com as suas próprias coisas, antes que de si mesmo, para se tornar quanto mais honesto e sábio possível; a não cuidar dos negócios da cidade antes que da própria cidade, e preocupar-se, desse modo, com outras coisas.” (Apologia de Sócrates, Platão, p. 82).

HIPOCRISIA = A hipocrisia sempre andou junto com a mentira, e Sócrates em seus últimos diálogos sempre exortou os cidadãos atenienses a distinguirem a verdadeira sabedoria da “sabedoria” hipócrita. Em sua defesa também procurou antes de tudo denunciar aqueles que se diziam “sábios”, mas que na verdade eram hipócritas.

Problemas apareceram nos mais diversos lugares e nas mais diversas formas. No texto, estes problemas podem ser divididos em três partes:

1) Fatos que eram problemas para Sócrates;
2) Fatos que eram problemas para os acusadores de Sócrates;
3) Fatos que eram problemas para o povo ateniense.

PROBLEMAS PARA SÓCRATES:

Sócrates encontrou um conjunto de problemas na sua tentativa de absolvição, entre eles:

HIPOCRISIA DOS ACUSADORES = Primeiro, a mentira dos acusadores em fazer acusações sem fundamento, levou à condenação de Sócrates. Segundo, a hipocrisia dos acusadores em persistir dizendo que eram os mais sábios que existiam, levou o povo a acreditar neles, o que também influenciou na condenação de Sócrates.

A RELUTÂNCIA DO POVO EM ACREDITAR = Com a hipocrisia dos acusadores, o povo acabou acreditando que Sócrates era quem estava errado e por isso consentiu na sua condenação. Mas para Sócrates isso era insignificante, o mais importante era que com isso alguns cidadãos deixaram de acreditar nele e fizeram, em alguns casos, coisas totalmente contrárias ao que Sócrates exortava-os a fazer.

O USO EXCESSIVO DA IRONIA = O método de Sócrates para ensinar seus discípulos era a ironia, para que eles procurassem e descobrissem tudo por si mesmos. Ele acabou usando o mesmo método em sua defesa, porém o que deveria ajudar acabou atrapalhando de certa forma já que o povo não sabia ou não conseguia distinguir quando Sócrates usava a ironia e quando não a usava.

O USO EXCESSIVO DA INTERROGAÇÃO = Também era um método de Sócrates para ensinar seus discípulos. Apesar de ter ajudado Sócrates a “desmascarar” Meleto, também atrapalhou, quando Sócrates usava a interrogação contra Meleto, o povo às vezes não sabia em quem acreditar naquele jogo de perguntas sobre perguntas sem chegar, em alguns casos, a uma resposta definitiva.

PROBLEMAS PARA OS ACUSADORES DE SÓCRATES:

SÓCRATES = Nitidamente Sócrates era um problema para os seus acusadores, pois Sócrates pregava a verdade e a sabedoria em toda a Atenas, principalmente naquela época, e ao fazer uma profunda pesquisa sobre a sabedoria das pessoas, constatou que os que ele pensava ser os sábios do povo, na verdade, não o eram. E começou a falar contra estes que se julgavam “sábios” e isto atacou muito Meleto, Anito e Lícon [seus acusadores], que procuraram logo condená-lo por suas “mentiras”.

A SABEDORIA PARA BUSCAR A VERDADE = Sócrates exortava os cidadãos a buscarem a verdade, porém, buscá-la com sabedoria, para não cair em armadilhas de hipócritas; o povo seguindo Sócrates e ouvindo seus diálogos, começou a despertar para a realidade e isso era prejudicial para os acusadores, que logo trataram de calar a voz daquele que incitava o povo, Sócrates.

OS DIÁLOGOS DE SÓCRATES COM OS CIDADÃOS ATENIENSES = Era nos diálogos que Sócrates tentava chamar o povo para a realidade e a única forma de acabar com este “terrível perigo” para os acusadores era calando o “líder”, Sócrates.

A CONDENAÇÃO = A própria condenação de Sócrates foi um problema para seus acusadores, já que, após a sua morte, o povo não “melhorou”, continuando a seguir o que Sócrates falava, rapidamente percebeu a injustiça que tinham praticado e para “consertar” o erro, puniu os acusadores de Sócrates: Meleto foi condenado à morte; Anito foi exilado em Heracléia, onde foi apedrejado pelo povo e Lícon suicidou-se de desespero, relegado por todos.

PROBLEMAS PARA O POVO ATENIENSE:

O USO EXCESSIVO DA INTERROGAÇÃO = A interrogação foi, talvez, um dos maiores problemas para o povo. Enquanto uma pergunta mostrava que Sócrates era quem estava errado, outra mostrava totalmente o contrário e Meleto era quem “se ferrava”. Outro problema relacionado à constante interrogação era o fato de que algumas perguntas não eram respondidas por inteiro deixando, assim, um vazio que prejudicava no julgamento do povo que ficava perdido em saber quem estava certo.

O USO EXCESSIVO DA IRONIA = A ironia também foi um dos problemas, já que a ironia, às vezes, atrapalha no entendimento de um diálogo. Quem ironiza muito, pode cair na armadilha de não ser entendido como gostaria por seus interlocutores.

OS SERMÕES DE SÓCRATES = Os sermões de Sócrates eram cansativos para os cidadãos, mesmo que fossem verdadeiros, eram como cargas pesadíssimas que alguns não conseguiam carregar ou não estavam dispostos para tal feito, pois os sermões colocavam em xeque a posição dos cidadãos em relação ao mundo. Sócrates mesmo afirmou: “Ah! Eu teria verdadeiramente um amor excessivo à vida se fosse irrefletido a ponto de não ser capaz de pensar nisto: vós que sois meus concidadãos acabastes por não achar meios de suportar meus sermões; estes se tornaram para vós um fardo bastante pesado e detestável para que procureis hoje se livrar-vos dele [...].” (Apologia de Sócrates, Platão, p. 83).

A EXECUÇÃO DE SÓCRATES = Foi um dos piores problemas para o povo, talvez o pior, porque todos os outros acima citados levaram a este e o pior é que não tinha como desfazer o mal causado por este. A condenação e execução de Sócrates foi uma grande injustiça e ao se darem conta do engano, os atenienses procuraram corrigir o erro com a condenação dos acusadores de Sócrates, mas que mesmo assim o sentimento de culpa, com certeza, foi pior do que qualquer outra coisa que poderia ter acontecido aos atenienses. A vingança destacada por Sócrates não é proveniente do deus, mas sim dos próprios cidadãos, deste sentimento de culpa: “Digo-vos, de fato, ó cidadãos que me condenastes, que logo depois de minha morte vos virá uma vingança muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual tendes me sacrificado. Fizestes isso acreditando livrar-vos ao aborrecimento de terdes de dar conta da vossa vida, mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário.” (Apologia de Sócrates, Platão, p. 87).


VERDADE E SABEDORIA: DEFESA E CONDENAÇÃO DE SÓCRATES

Em Apologia de Sócrates, Platão mostra os últimos momentos de Sócrates vivo, mostra a sua autodefesa, porém sem esquecer da admirável serenidade do filósofo preocupado somente com a verdade e com o destino dos seus acusadores, demonstrando a esplêndida sabedoria de Sócrates durante todo o texto.

Sócrates demonstrava mais atenção ao destino de seus acusadores, à busca da sabedoria e da verdade do que à sua própria defesa. Ele dizia que tinha recebido uma ordem de um deus para cumprir a missão de revelar ao mundo a verdade e mostrar quem realmente era sábio e quem somente o julgava ser. Seus acusadores, porém, queriam atrapalhar seu caminho e por isso seriam seriamente castigados pelo deus, daí a grande preocupação de Sócrates para com seus acusadores, mais até do que com seu próprio destino: “[...] Contudo, por que será que alguns gostam de passar muito tempo em minha companhia? [...] é porque tomam gosto em ouvir, analisar aqueles que acreditam ser sábios e não o são; não é de fato coisa desagradável. E, como disse, foi um deus que me ordenou fazê-lo, com oráculos, com sonhos, e com outros meios, pelos quais algumas vezes a divina vontade ordena a um homem que faça o que quer que seja.” (Apologia de Sócrates, Platão, p. 77).

Para reforçar o que foi citado acima, Sócrates fala em seus diálogos com o povo ateniense, que sem ter feito injustiça alguma, está tranqüilo e por isso não teme a pena que Meleto poderá aplicar. E mais, Sócrates prefere viver falando, fazendo seus discursos “chatos” do que ver o povo ateniense sendo enganado, ver os atenienses de braços cruzados: “[...] Estando, portanto, convencido de não ter feito injustiça a ninguém, estou bem longe de fazê-la a mim mesmo e dizer, em meu dano, que mereço um mal; e me propor a tal sorte. Que devo temer? É possível que eu não tenha de sofrer a pena que me assinala Meleto e que eu digo ignorar ser um bem ou um mal? [...] Bela vida, em verdade, seria a minha, nesta idade, viver fora da pátria, passando de cidade a outra, expulso em degredo. Sei que, por onde for os jovens ouvirão os meus discursos.” (Apologia de Sócrates, Platão, p. 83).

A atitude de Sócrates foi um tanto corajosa e também um tanto ridícula e fantasiosa, se tomarmos como referência nossos dias atuais, quero dizer, Sócrates foi bastante corajoso em doar sua vida em prol do bem-estar dos cidadãos atenienses, sim, ele morreu denunciando os problemas que rondavam os atenienses, não conseguiu convencer a todos, porém, uma grande maioria despertou para a realidade do mundo e alguns até lutaram, culminando na morte dos acusadores do poeta do ser. Pena que essa “luta” durou pouco, hoje quem é que se lembra ou mesmo sabe da ousadia de Sócrates? No mundo de hoje, cego pelo capitalismo, morrer por alguém é loucura, não chega nem a ser coragem. Será que valeu a pena Sócrates morrer? Quantos Sócrates estão morrendo e sendo calados pelo mundo afora?
Quantos ainda precisarão morrer para o mundo se dar conta do que está acontecendo à sua volta?

MÁRIO ANDERSON VIEIRA ROLIM, Estudante da TURMA 104 – do Curso de ELETROTÉCNICA, do CEFET-MA


O mundo precisa de Filosofia?

Tanto o mundo precisa de filosofia quanto a filosofia precisa do mundo. O mundo sem filosofia seria um mundo que não questionaria suas decisões, não tomaria atitudes mais corretas freqüentemente, não conseguiria muitas vezes argumentar sobre algo, convencendo pelas idéias e não por pressão, não conseguiria exercer verdadeiramente sua cidadania, entre muitas outras coisas. O mundo com a filosofia anda melhor, pois existirá a partir de agora pessoas que vão saber realmente quem são, por que são assim, farão novas descobertas a partir de questionamento, farão decisões melhores, poderão conscientemente argumentar sobre algo ou alguém, entre muitos outros feitos.

A filosofia também precisa do mundo, pois sem o mundo a filosofia não teria o que questionar e pôr à prova. Quando o mundo “entra na história”, começa a existir a relação entre sujeito e objeto (sujeito que vai buscar e objeto que vai ser estudado, buscado), algo primordial e essencial na filosofia. Assim o sujeito vai ter o que questionar, e tendo o que questionar, surge a filosofia para ajudá-lo no seu questionamento, na sua busca. Assim, sempre há um ciclo entre mundo e filosofia, dois arquétipos que estão sempre interligados (um sempre precisa do outro).

WILAME MOREIRA COSTA JÚNIOR, Estudante da TURMA 104, do Curso de ELETROTÉCNICA, do CEFET-MA.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Uma reflexão sobre o sentido da vida

Caros amigos e amigas da filosofia e da arte...

Uma reflexão sobre o significado da vida, que pode ser lida junto com um texto fantástico, "A Última Grande Lição", do jornalista norte-americano Micht Albom, que narra a história do Morie Schwartz, um ser humano excepcional, que é o personagem principal deste livro singular. Vale a pena levar aos jovens filósofos o texto, porquanto o debate sobre o sentido da vida é sempre muito edificante...
Abraços quixotescos!
Jorge Leão

Viver a vida!

Quem pode adentrar nos recônditos da alma humana? Qual lógica duradoura é capaz de confortar o espírito diante da perda inexplicável dos amigos que se vão? Reconhecemos o valor da existência naquilo que sentimos. Traduzimos a expressão do sentimento pelo valor da palavra que se expressa em pensamento. Somos poetas e filósofos na jornada da existência...

Nesta expressão contínua, vamos à busca de um sentido humano para o drama da vida, mediante a tarefa do pensar, ao longo do caminho que se lança à nossa frente. Cavamos o poço da semente que nos eleva ao plantio da verdade, em busca do sentido que emana diante da empatia pela alegria a sublimar o vácuo da solidão, sendo neste instante a oportunidade de ascender a planos mais elevados de entendimento, vendo no fundo do poço a semente germinar como broto.

Mas de fato o porquê da morte nunca é, no fundo, sabido, ainda mais quando ela chega abruptamente, a nos tirar da cabeça toda lógica ou explicação. Nossos tratados de ciência não perdem sua validade teórica, mas se mostram limitados diante das perdas que enfrentamos.

Assim, a fragilidade da vida ecoa na eternidade de um instante fugaz. Sentimo-nos como títeres nas mãos de uma força maior, a ditar o ritmo dos acontecimentos. Não podendo definir com exatidão as causas desses eventos e seus frios desdobramentos, o certo é que a fatalidade dos determinismos nos lança para o nível da impotente insignificância.

Desastres, catástrofes naturais, doenças de origem inespecífica, perdas repentinas, enfim, o dia-a-dia de fatos que fogem, indelevelmente, ao nosso controle. Como reagir? O que pensar? O que fazer? Há razões para tanta ausência de razões?...

Caminhamos, assim, a ermo, no caminho dos mistérios que nos acompanham no percurso fugaz da existência. Entretanto, precisamos acordar e despertar para o dia da vida que chega, vivendo a vida, no presente de sua presença, como sagrada devoção ao drama existencial que a mesma nos impõe. A cada dia que nasce, o sol chega e manifesta seu poder e sua simples majestade. As nuvens lacônicas que atravessam seu caminho, nas manhãs chuvosas de janeiro, tentam perpetrar o entristecimento e o desânimo da alma, ainda repleta de pulsação poética. Mas nada nos mata tanto quanto a ausência de um sentido para continuar existindo...

Por isso, acordo a cada manhã para recompor o oxigênio nas células da alma. Para ver o que de novo aconteceu nos silenciosos afazeres da madrugada. Acordo novamente para aproximar-me do que de mais valioso restou dos homens, depois que os mesmos regressaram feridos dos campos de batalhas de suas guerras sem explicação. E, agora, me aproximo dos poetas do ser como um oportuno caçador de preciosidades e de tesouros adormecidos. Eis que chego ao mundo dos fazedores de sonhos como a coruja dos olhos encantados, que sondam os mistérios da vida onde estamos todos nós.

E aponto, na correnteza do rio da vida, para as montanhas de cumes gelados, enfeitiçadas pela alegria do silêncio de seus cumes, regidos que são pelas pedras dos vales, a conduzir os peregrinos de nossa jornada para a escalada valiosa que os leva ao sublime estado de viver a vida, em meio aos contrastes, mistérios, dúvidas, tristezas e incompreensões enfrentadas ao longo da íngreme escalada ao Himalaia de nós mesmos.

Vocabulário:

Títeres: bonecos manipuláveis.
Lacônico: breve, conciso.

Jorge Leão

Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA

Em 11-01-06

Condições para o exercício do debate filosófico

Caros amigos e amigas da filosofia e da arte, um texto sobre
as...

Condições para o exercício do debate filosófico

Para que haja, de fato, um debate filosófico, é necessário que tenhamos, inicialmente, uma condição fundamental, a saber, a existência de seres pensantes. Se não ocorrer a possibilidade mínima de estabelecer relações de sentido entre as coisas (aqui, o sentido da palavra "pensar", para os gregos), ocorre que se tornar inviável qualquer possibilidade de exercitar o debate em filosofia.

Outro elemento, decorrente do primeiro, é a capacidade de argumentação sobre um determinado tema ou idéia proposta. Argumentar é apresentar razões que demonstrem a validade de uma idéia. Isso proporciona ao debate aquilo que é próprio de uma fundamentação teórica. Assim, quem argumenta apresenta fundamentos. Não "atira" aleatoriamente um discurso, simplesmente com intenção de convencimento ou persuasão. Assim, é próprio de seres pensantes a capacidade de argumentar.

Quando se argumenta, o debate é exposto por princípios racionais que são publicizados, isto é, colocados em um espaço comum aos participantes. Na Grécia, esse espaço é a "ágora", a praça. Na praça, as idéias explanadas são intercambiadas, pois os ouvintes tomam ciência do que está sendo exposto. Por isso, o terceiro elemento imprescindível para a existência do debate filosófico é o intercâmbio de idéias por meio da exposição das argumentações.

Agora, que já sabemos o que os outros pensam, é necessário aprofundar nossa atenção sobre a extensão daquilo que eles pensam. Por isso, outro aspecto fundamental é a análise das propostas apresentadas. Os participantes precisam agora de tempo para aprofundar o que foi sugerido e argumentado. O debate em filosofia não é algo apressado. Não é algo que exige respostas imediatas. Assim, este é o momento em que cada ouvinte toma para si mesmo a responsabilidade de refletir mais detidamente sobre os temas sugeridos no início do debate.

Depois de analisar as propostas, volta-se à plenária para a apresentação das soluções possíveis, ou os encaminhamentos que a assembléia irá dispor para oferecer a todos a garantia de que o debate é um patrimônio da vida política. Daí, para a filosofia, ser tão necessário que cada problema encontre no debate a oportunidade de relacionar diferentes pontos de vista, a partir de um mesmo princípio, o de que somos seres pensantes dentro de uma comunidade política.

Apresentados os elementos constituintes do debate, segundo um entendimento filosófico, resta-nos agora exercer o direito de debater nossas idéias, e não temer as contradições, que são próprias da vida política. Por isso, quem não estiver aberto para a dinâmica do debate, inventará estratégias falsas para manter-se na política. E é próprio do pensamento político a capacidade de conviver com as diferentes abordagens, modos variados de argumentação, críticas sobre os temas sugeridos, novos encaminhamentos e tempo para amadurecer a condição de seres responsáveis pela comunidade política. Ao contrário, é próprio dos oportunistas de plantão a fuga do debate filosófico na assembléia, nas ruas, na família, nas escolas, nos encontros e desencontros da vida.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís _ MA

Sugestões de trabalho para o texto "Apologia de Sócrates"

Sugestões de trabalho para o texto "Apologia de Sócrates"

Amigos e amigas da filosofia e da arte,

segue um roteiro de temas para trabalharmos o texto "Apologia de Sócrates", de Platão.

1 - Os bens da cidade e o cuidado da alma;

2 - O julgamento de Sócrates e a idéia de justiça;

3 - A reação dos acusadores e dos discípulos de Sócrates diante do julgamento;

4 - A concepção da vida e da morte segundo Sócrates;

5 - O papel da filosofia e de seus representantes (os filósofos);

6 - Elaborar uma conclusão relacionando as questões acima com o contexto de nossa sociedade (pontos de aproximação e de distanciamento).

Essa sugestão de temas pode ser transformada em um debate interessante em sala, em que os alunos, depois de terem lido o texto, e problematizado questões essenciais com o professor, poderão agora escrever o seu próprio texto, relacionando-o, por exemplo, com os filmes: "Sociedade dos Poetas Mortos", "Sorriso de Monalisa", ou ainda "O Clube do Imperador".

São filmes, em que a figura do professor (a) é enfaticamente desenvolvida a partir de um trabalho de esforço intelectual e ético para levar aos jovens estudantes a liberdade de pensar por si mesmos, elemento essencial na pedagogia socrática. Esse tema pode gerar um debate e ser exposto entre os alunos, depois da exposição dos filmes.

Esse ano, em junho, trabalhei o filme "Sociedade dos Poetas Mortos" (um de meus filmes preferidos), nas turmas de 1 e 2 ano, e o debate foi bastante interessante; depois os alunos escreveram um texto dissertativo, apontado aspectos de aproximação com o pensamento de Sócrates.

Bem , queridos e queridas, amantes da filosofia e da arte,
são esses os pontos...

até o próximo encontro...

Jorge Leão

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Uma lição de filosofia...

Caros amigos e amigas da sabedoria e da arte... mando-lhes um texto sobre um intrigante conto de Machado de Assis, "Ex Catedra", visto aqui em contraponto com a concepção de ensino do filósofo francês Michel de Montaigne,
abraços, amigos, no coração de vocês...
Jorge Leão

Uma lição de filosofia...

O conto “Ex Cátedra”, de Machado de Assis (1839 – 1908), retrata a relação entre Caetaninha e seu padrinho Fulgêncio, um homem viciado em leitura. Ele lia em excesso, “lia de manhã, de tarde e de noite (...) lia antes de ler e depois de ler, lia toda casta de livros, mas especialmente direito (em que era graduado), matemáticas e filosofia; ultimamente dava-se também às ciências naturais” (ASSIS, 2002, p. 139). Contudo, Fulgêncio já dava os primeiros sinais de demência; não sabia mais nem o seu nome. Ele “vivia do escrito, do impresso, do doutrinal, do abstrato, dos princípios e das fórmulas. Com o tempo chegou, não já à superstição, mas à alucinação da teoria” (Idem, p. 140).

Seguindo a rotina de uma casa abastada e pacata, Caetaninha e Fulgêncio recebem a visita do jovem Raimundo, sobrinho de Fulgêncio. O pai do garoto havia falecido. Ele passa então a morar na casa de seu tio… O tempo passa e Fulgêncio arquiteta um plano para casar os dois. Mas, antes era necessário que eles tivessem uma base científica sobre as coisas do amor, pois, para Fulgêncio “um homem e uma mulher, desde que conhecessem as razões físicas e metafísicas desse sentimento, estariam mais aptos a recebê-lo e nutri-lo com eficácia, do que outro homem e outra mulher que nada soubessem do fenômeno” (Ibidem, p. 142). Assim, o velho professor vai à estante de sua biblioteca e prepara um programa de estudos capaz de amadurecer as duas crianças. São livros e livros sobre os mais variados temas, tais como “astronomia, geologia, fisiologia, anatomia, jurisprudência, política, lingüística”(Idem, p. 143). Era necessário transformar toda aquela enciclopédia em um assunto corriqueiro, de tom familiar. Começou desse modo pelas estrelas. A explicação fascinou os ouvidos atentos de Caetaninha e Raimundo, e todos os dias eles queriam saber algo mais sobre o céu e as estrelas. A astronomia os fascinou...

Os dias se passaram na chácara, mas os interesses dos dois iam mudando, à medida que eles se aproximavam um do outro com interesses extra-pedagógicos. Raimundo ensinara Caetaninha a galopar. Com isso, doravante, os passeios a cavalo eram constantes. O encanto amoroso foi dominando os seus corações. Trocaram flores, como sinal evidente desse encantamento. Entretanto, continuaram as lições, embora os dois nada entendessem sobre “uma idéia geral do universo, e uma definição da vida” (Idem, p. 145). A confusão aumentou quando Fulgêncio começou uma demonstração, “profundamente cartesiana”, sobre a existência do homem. Perguntando a eles se sabiam se existiam e por quê, o riso foi a reação imediata de Caetaninha, mas, ficando séria em seguida, admitiu que não sabia, sendo acompanhada sua resposta com a de Raimundo.

A atenção às lições de Fulgêncio foi perdida, apesar de todo o seu esforço catedrático, metódico e sistemático para transmitir o seu ensino. Parecia inútil tanto labor, pois “enquanto o velho falhava, reto, lógico, vagaroso, curtido de fórmulas, com os olhos fixos em parte nenhuma, os dois alunos faziam trinta mil esforços para escutá-lo, mas vinham trinta mil incidentes distraí-los” (Idem, p. 145). Os olhos de Caetaninha estavam voltados para um casal de andorinhas, pousado no muro da chácara. Depois, em devaneio, imagina Raimundo consigo no muro. Até um diálogo entre dois besouros apaixonados alimenta o sonho amoroso na mente da menina...

As lições sobre a existência do homem exigiam, porém, mais atenção dos alunos. O assunto era de ordem de metafísica, versando sobre uma lição das mais árduas para a filosofia. O próximo tema a ser estudado seria a organização das sociedades, seguindo para a definição e classificação das paixões, e por fim, passaria o velho professor a discorrer sobre o amor, pois, segundo ele, já era tempo...

Fulgêncio fecha a porta e entra. O casal, enfim, sozinho na varanda. De repente, ouve-se um trovão de beijos, segundo o relato de algumas lagartas da chácara. Não se sabe ao certo se foram eles os autores, pois um velho gafanhoto alegou que “ouvira muitos beijos em lugares onde nem Raimundo nem Caetaninha pusera os pés” (Idem, p. 148). Talvez dois beijos, três ou quatro, não um trovão de beijos...

Terminada a leitura, perguntamos: que elementos de análise nos restam a partir do conto “Ex Cátedra”? Entendemos que é possível observar no conto machadiano um elemento característico do professor Fulgêncio: suas análises metafísicas, científicas, literárias e políticas versavam sobre um plano projetado exclusivamente por ele, sem a devida relação com a história de vida de seus alunos. O descrédito e a desatenção foram logo percebidos, quando o amor encontrou o coração de Caetaninha e Raimundo. Parece que, segundo o relato, o amor é algo mais vivo que as lições metafísicas sobre a existência do homem. Assim, precisaremos agora apontar alguns elementos para reflexão sobre o ensino de nossas disciplinas escolares.

A filosofia, por exemplo, ao ser transmitida de modo enciclopédico, pode ser motivo de cansaço e descontentamento por parte dos alunos, apesar do esforço de muitos professores, e de sua complexa e sistemática exposição argumentativa, fato esse muito comum no ensino da filosofia atualmente.

O filósofo francês Michel de Montaigne expõe sua preocupação sobre o ensino de filosofia, enfatizando que o professor precisa levar a criança a “provar as coisas, e as escolher e discernir por si próprio, indicando-lhe o caminho certo ou lho permitido escolher” (MONTAIGNE, 2003, p. 13). Por isso, antes de forçá-la a memorizar dados sem significados, é necessário dar vida às lições. Montaigne condena o sistema de ensino oferecido às crianças, pois ele apenas transmite algo construído por outros. Ele observa, como Sêneca, que esses ouvintes “nunca se dirigem por si próprios”. Desse modo, “não se trata de aprender os preceitos dos filósofos e sim de lhes entender o espírito” (Idem, p. 13). E ainda Montaigne afirma que “os elementos tirados de outrem, ele os terá de transformar e se misturar para com eles fazer obra própria, isto é, forjar sua inteligência” (Ibidem). Trata-se desse modo de dar liberdade de pensar às crianças.

O processo de ensino pretendido por Montaigne assim incide em tornar a criança autora de sua elaboração, livre e capaz de pensar por si mesma. Ele assinala, por isso, que “certamente tornaremos a criança servil e tímida se não lhe dermos a oportunidade de fazer algo por si” (Idem).

O método de ensino implementado pelo professor Fulgêncio segue a orientação oposta àquela sugerida por Montaigne, uma vez que inviabiliza o processo de autonomia de seus ouvintes. Os alunos, portanto, não seriam obrigados a decorar fórmulas prontas, mas a exercer sua liberdade de pensamento e de expressão, podendo, inclusive, relacionar a filosofia a todos os assuntos de sua vida “como formadora de inteligência e dos costumes”. Precisamos agora saber se o ensino de filosofia pretendido por nós, professores de filosofia, seguirá os passos das lições do professor Fulgêncio ou das linhas apontadas por Montaigne.

Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo, FTD, 2002.

MONTAIGNE, Michel de. Da educação das crianças (12). SÁTIRO, Angélica e WUENSCH, Ana Miriam. In: Pensando Melhor – Iniciação ao filosofar. Manual do Professor, São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 13-14

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A anti-filosofia no conto "Teoria do Medalhão"

Um comentário sobre o "medalhão" machadiano,
abraços,
jorge leão

A ANTI-FILOSOFIA NA “TEORIA DO MEDALHÃO”, DE MACHADO DE ASSIS

O conto “Teoria do medalhão - Diálogo” envolve ironia e um receituário anti-filosófico perfeitos. É um roteiro de como ser bem sucedido na vida, sem a necessidade da reflexão crítica. O pai de Janjão, o jovem que está prestes a alcançar a maioridade, aponta inúmeras pistas de desconsiderar por inteiro a fala do filósofo Sócrates (470 - 399 a. C.) de que “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. O contrário aqui é a lei. Quanto menor o esforço para pensar, maior o êxito do "medalhão".

O filho Janjão é nada mais que um projeto frustrado do pai. Este faz de tudo para dar ao filho a notoriedade que tanto almejou. Por isso, recomenda ao jovem a profissão de “medalhão”, a fim de ser notado e ovacionado por todos, saindo de uma vida de anonimato. Assim, “(...) qualquer que seja a profissão de tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum”. (ASSIS, 2002, p. 52). Ser “medalhão” é aprender, pois, um ofício. Ele deve ser ensinado, para livrar o filho de uma vida de insucessos e opacidade social. A sua recomendação é que Janjão domine o modo de ser de um “medalhão”. Por isso, “(...) como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade”. (Idem, p. 53) Para o bom êxito da profissão, é necessária uma condição precípua, não cultivar idéias próprias. Mais uma vez a ironia machadiana introduz um conceito anti-filosófico básico, isto é, o de “heteronomia”, que implica na incapacidade de pensar por si mesmo as leis que determinam o curso da existência, individual ou coletiva. Um indivíduo heterônomo, desse modo, apenas reproduz o que já foi dito. Ele é uma peça de manipulação no sistema social dominante. Este item é destacado como valor principal pelo pai de Janjão. Ouçamo-lo:

“Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente” . (Idem, p. 54). Para defender-se da autonomia, isto é, da possibilidade de cultivar idéias próprias, o "medalhão" deve evitar a todo o custo a solidão, uma vez que “(...) a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade”. (Idem, p. 55).

Por conseqüência de sua inabilidade no cultivo de idéias próprias, o "medalhão" não deverá compreender a origem dos problemas, pois isto promove a reflexão crítica, que é danosa para os interesses imediatistas do mesmo. Mais uma vez, nos deparamos com uma estratégia eficaz para a anti-filosofia, visto que neste cenário o conhecimento processual da filosofia, que implica em sondar as raízes dos problemas, suas causas primeiras, é inutilizado pela praticidade do ofício em voga. Filosofia para o "medalhão" é a mais pura perda de tempo que o homem foi capaz de inventar.
É possível aqui aproximar o sentido das palavras deste professor ao seu efeito contrário, pretendido pelo filósofo alemão Karl Jaspers (1883 - 1969), quando do papel da filosofia no mundo, que perturba a paz de um mundo recheado de fórmulas prontas e acabadas. Com efeito, para Jaspers, a filosofia está cercada de inimigos, típicos da estratégia a ser dominada com a “teoria do medalhão”. Assim, Karl Jaspers assinala: “(...) a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia” (JASPERS, 1993, p. 77). As palavras aqui colocadas confirmam a pretensão de tornar Janjão um “medalhão”, ou, na terminologia de Jaspers, um “antifilósofo”.

Enfaticamente, assinala ainda o pai do futuro “medalhão” que: “(...) com o tempo, irás sabendo a que leis, casos e fenômenos responde toda essa terminologia; porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais de ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo traz consigo o perigo de inocular idéias novas, e é radicalmente falso” (ASSIS, 2002, p. 58).
O próprio Dom Quixote de La Mancha, maior personagem de Miguel de Cervantes (1547 - 1616), é citado para tirar qualquer dúvida sobre quem irá prosperar no sistema de eficácias do “medalhão”. A ênfase é acentuada ao limite da aplicação de uma técnica, não de uma elaboração filosófica sobre os porquês remotos das coisas que constituem a realidade. Por isso, a recomendação é direta: “Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos” (Idem, p. 59).

Mas, para que esta teoria seja realmente eficaz, deve tornar-se pública. O “medalhão” deve aprender a manejar as estratégias que o conduzirão aos píncaros do prestígio e do reconhecimento social. Ele deve fazer de tudo para agradar. Deve ser bem visto, amoldando-se aos meandros da festa de máscaras que anima o salão da cordialidade e da simpatia. Tornar-se homem público, sem recear vestir a roupa da superficialidade, uma vez que “(...) a publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves resquestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a consciência do afeto do que o atrevimento e a ambição” (Idem, p. 59). Outra passagem ilustrativa do fenômeno publicitário presente na “teoria do medalhão” é expressa quando o pai de Janjão afirma: “Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito” (Idem, p. 60).

E ainda mais uma vez a ironia. Agora o seu alvo é a metafísica. O discurso do “medalhão”, ironicamente, deve preferir a metafísica. Fica claro aqui o uso de uma fina ironia, traço tão peculiar à obra machadiana. A metafísica aqui mencionada não é a ciência que visa inquirir sobre a essência das coisas, mas, ao contrário, um meio eficaz de camuflar o sentido oculto da realidade, pelo uso de uma retórica bem elaborada e articulada. A inversão conceitual é proposital na “teoria do medalhão”, para que o sentido da metafísica seja um despropósito teórico a ser seguido por Janjão. Ouçamos a recomendação: “Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: - ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negócios miúdos, força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza de bom-tom, própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a metafísica: - é mais fácil e mais atraente”. (Idem, p. 62).

E ainda, quando assinala que: “Um discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está acabado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade” (Ibidem).

Para finalizar a lição, o falso diálogo, como é percebido desde o início, o pai de Janjão, responde ao filho que a filosofia não é necessária para o “medalhão”, confirmando o que já estava implícito durante todo o texto. Nada de filosofia, ao menos enquanto processo de pensamento. Um pouco de “filosofia da história”, quem sabe, para reproduzir conceitos pensados por filósofos do passado. Isto sim é permitido, pois não exige busca intelectual, apenas reprodução de achados alheios.

“ – Nenhuma filosofia? - Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com freqüência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc. , etc.” (Idem, p. 63).

A lição acabou. Janjão ultrapassou a maioridade. Deve ter como princípio não ter idéias próprias e usar os valores morais da publicidade e do prestígio para eficazmente lograr êxito no mundo. “ – Meia-noite. - Meia-noite? Entra nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa dessa noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos dormir” (Idem, p. 64).

Mais uma lição: saber manejar as circunstâncias para o alvo almejado, uma esperada leitura do pai de Janjão sobre Maquiavel...

BIBLIOGRAFIA

- ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: FTD, 2002.

- JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico, p. 138. In: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando - Introdução à Filosofia. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Moderna, 1993.


Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA Em: 05 – 10 - 2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Temas recorrentes no filme "O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman



Caros amigos da sabedoria e da arte, aí vai mais um texto sobre filosofia e cinema, baseado em um clássico do diretor sueco Ingmar Bergman, o filme "O Sétimo Selo". O interesse é alargar um debate sobre temas relacionados ao drama do sentido humano diante da morte e do próprio significado da existência. Abraços quixotescos! Jorge Leão


Temas recorrentes no filme “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman

O cineasta sueco, Ingmar Bergman, apresenta em “O Sétimo Selo”, filme produzido em 1956 e lançado na Suécia em fevereiro de 1957, temas existenciais de profundas indagações metafísicas e religiosas.

O contexto histórico do filme é o século XIV, momento em que o sistema feudal passa por uma aguda crise, e a Europa vê-se devastada pela peste, observando impotente o silêncio da morte pairando no ar. Neste cenário lúgubre, Bergman apresenta situações conflituosas entre personagens que se colocam diante de um dos temas mais instigantes de sua obra cinematográfica, a Morte.

O filme é iniciado com uma luz repentina, que aparece sendo seguida de uma águia pairando no ar. Depois, vê-se a praia, a colina, o mar. O livro das revelações é citado, indicando o momento em que o Cordeiro abre o sétimo selo (Cf. Apocalipse 8, 1-6). Surge a figura do cavaleiro medieval (vivido pelo famoso ator sueco Max Von Sydow) e de seu escudeiro (interpretado por Gunnar Bjosrnstrand) , retornando para casa depois de guerrearem pelas Cruzadas. O cavaleiro, olhando para o céu, começa a rezar. Eis que surge um tabuleiro de xadrez, acompanhado da Morte (interpretada pelo ator e diretor Bengt Ekerot), um personagem presente como símbolo do drama existencial vivido por Antonius Block, o cavaleiro medieval.

A cena em que os dois, o cavaleiro e a Morte, surgem de perfil jogando xadrez é uma das mais conhecidas da obra cinematográfica de Ingmar Bergman. O jogo de xadrez será utilizado como pretexto para que Antonius possa retardar a Morte, enquanto tenta resolver o mais agudo de seus problemas, o conflito entre suas crenças e a existência de Deus. A tormenta de sua consciência é revelada no momento em que ele se confessa, tendo a Morte como ouvinte, mesmo sem saber que é ela quem ouve atentamente o seu drama...

Ele reconhece que o seu coração está vazio e que sua vida está fechada em suas próprias fantasias e dilemas. O conhecimento seria a única via de salvação, diante deste impasse existencial. Para ele, nem a religião, muito menos a presunção dos homens, podem acalmar suas dúvidas. Ele deseja ardentemente que Deus possa manifestar-se, já que o seu silêncio eterno lança-o num profundo oceano de abandono e descrença.

Outra reação é a do escudeiro Jons, que ilustra um ateísmo cético do início ao término do filme. A vida é por si mesma dura e seca, e tudo o que nos resta é viver, sem nenhuma garantia de que ela permaneça depois da morte. Ele se auto-define como alguém que despreza a morte, zomba de Deus, ri de si mesmo e sorri para as mulheres. “Meu mundo é meu, e só acredito em mim mesmo. Ridículo para todos, até para mim mesmo, sem sentido para o céu e indiferente para o inferno”.

Para nos reportarmos ao ambiente medieval, Bergman lança mão de algumas cenas emblemáticas, como, por exemplo, a menina que foi considerada possuída, e que deve ser queimada viva, pois o pecado que nela habitava era a causa da peste que matava a todos, segundo o padre que cumpre o ritual da execução. Antonius não se conforma com esta versão e interroga a menina sobre se viu o diabo ou não. Ela apenas geme. A pobre coitada era apenas mais uma vítima de um cenário de condenação, necessitando de bodes expiatórios. Ainda assim, ele e seu escudeiro vêem-se impotentes diante da força ideológica da igreja medieval e a menina é queimada. Outra cena marcante é a procissão de flagelação, que interrompe a dança e a festa do teatro. O conflito aqui é entre a punição, o pecado e a culpa, e a alegria e o êxtase pela vida. A supremacia de que “todos estão condenados” é evidente, restando aos pecadores pedir piedade em sua humilhação. A procissão segue com gemidos, cantos fúnebres, a cruz na frente, todos caminhando para a Morte. E também o semblante sofredor e deformado de Jesus em sua morte na cruz, surge em momentos em que a tensão psicológica de Antonius encontra-se em seu limite. São cenas ilustrativas da visão de um mundo decaído pelo pecado, tão comum no contexto medieval.

Antonius, Jons e outros acompanhantes seguem caminho para a floresta. Lá, mais uma vez o tabuleiro de xadrez entra em cena. Todos estão com medo. Temem a chegada do Juízo Final. Um homem morre com a peste, contorcendo- se de dor no chão. A Morte pergunta ao cavaleiro se não irão terminar o jogo. A rainha, uma das pedras mais importantes do xadrez, é levada pela Morte, o fim se aproxima. O saltimbanco Jof, que sempre via coisas que outros não viam, observa a cena, revelando o seu espanto à sua esposa Mia. Eles se afastam. O jogo continua...

A Morte percebe a ansiedade do cavaleiro. As pedras são derrubadas no tabuleiro, mas ela sabe a posição de cada peça. Nada escapa ao seu domínio. O xeque-mate é uma questão de mais alguns lances. A Morte promete voltar para um último e decisivo encontro. Antonius, Jons e os outros amigos voltam à casa do cavaleiro. O encontro com a esposa faz-lhe lembrar de sua vida e de seu destino. O livro do Apocalipse é mais uma vez lido. A Morte adentra o espaço, todos a vêem...

Antonius suplica pela presença de Deus: “tenha misericórdia de nós... pois somos pequenos e assustados em nossa ignorância”. Jons replica, dizendo que sua prece é vã, pois é tarde demais para ser absolvido de seus pecados. É chegado o momento do encontro de todos com a Morte. É o momento decisivo para todo ser humano...

Para elevar o sentido simbólico da relação entre Deus, homem e seu destino, Bergman utiliza-se da visão do artista para o desfecho. Ele que via coisas do “além”, pois sua sensibilidade não se delimitava aos órgãos sensoriais, observa a dança da Morte. A esperança renasce na alegria da família reunida. Jof, Mia e Mikael representam a luz que Antonius buscava, que foi levada pela Morte. Bergman aqui nos coloca a possibilidade do amor como sinal da esperança diante da certeza da Morte.

Jof, então, com os olhos fixos para o horizonte observa a dança da Morte. Ele vê todos eles, no céu tempestuoso. Os personagens seguem o ritmo da dança, com as mãos dadas, com a Morte na frente, segurando a foice e a ampulheta do tempo. Mas o músico Skat toca sua lira em uma dança solene, sendo todos levados por ela de modo implacável. Ficam a contrastar com a dança inexorável o sorriso de Mia, pegando seu filho ternamente, e Jof conduzindo sua carroça e sua família, salvos da Morte.

O filme, desse modo, apresenta questões fundamentais para uma reflexão aprofundada sobre a existência humana, seus conflitos, dúvidas, crenças e a possibilidade de encontrar um significado para a eterna busca de sentido que acompanha o ser humano em sua jornada pelo mundo, quer esteja tal busca alicerçada na procura pela existência de Deus, quer se faça presente por meio da consciência da finitude ou o de um vazio existencial que não consegue crer em nada para além desta jornada.


Jorge Leão
Professor de Filosofia do CEFET-MA, e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA.

Em: 03-10-08



domingo, 5 de outubro de 2008

A anti-filosofia na "Teoria do Medalhão", de Machado de Assis

Amigos e amigas da sabedoria e da arte...
Este conto machadiano ilustra bem um relativismo ético, típico de nossa politicagem contemporânea e de nosso jeitinho de ser brasileiro. É um bom texto para debatermos em sala, quando trabalhamos temas como valores, liberdade, ética, política. Vale a pena levar para sala! Abraços quixotescos, com o perdão do "medalhão"...
Jorge Leão

A ANTI-FILOSOFIA NA “TEORIA DO MEDALHÃO”, DE MACHADO DE ASSIS

O conto “Teoria do medalhão - Diálogo” envolve ironia e um receituário anti-filosófico perfeitos. É um roteiro de como ser bem sucedido na vida, sem a necessidade da reflexão crítica. O pai de Janjão, o jovem que está prestes a alcançar a maioridade, aponta inúmeras pistas de desconsiderar por inteiro a fala do filósofo Sócrates (470 - 399 a. C.) de que “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”. O contrário aqui é a lei. Quanto menor o esforço para pensar, maior o êxito do "medalhão".

O filho Janjão é nada mais que um projeto frustrado do pai. Este faz de tudo para dar ao filho a notoriedade que tanto almejou. Por isso, recomenda ao jovem a profissão de “medalhão”, a fim de ser notado e ovacionado por todos, saindo de uma vida de anonimato. Assim, “(...) qualquer que seja a profissão de tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum”. (ASSIS, 2002, p. 52).

Ser “medalhão” é aprender, pois, um ofício. Ele deve ser ensinado, para livrar o filho de uma vida de insucessos e opacidade social. A sua recomendação é que Janjão domine o modo de ser de um “medalhão”. Por isso, “(...) como é de boa economia guardar um pão para a velhice, assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade”. (Idem, p. 53)

Para o bom êxito da profissão, é necessária uma condição precípua, não cultivar idéias próprias. Mais uma vez a ironia machadiana introduz um conceito anti-filosófico básico, isto é, o de “heteronomia”, que implica na incapacidade de pensar por si mesmo as leis que determinam o curso da existência, individual ou coletiva. Um indivíduo heterônomo, desse modo, apenas reproduz o que já foi dito. Ele é uma peça de manipulação no sistema social dominante. Este item é destacado como valor principal pelo pai de Janjão. Ouçamo-lo:

“Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente”. (Idem, p. 54).

Para defender-se da autonomia, isto é, da possibilidade de cultivar idéias próprias, o "medalhão" deve evitar a todo o custo a solidão, uma vez que “(...) a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade”. (Idem, p. 55).

Por conseqüência de sua inabilidade no cultivo de idéias próprias, o "medalhão" não deverá compreender a origem dos problemas, pois isto promove a reflexão crítica, que é danosa para os interesses imediatistas do mesmo. Mais uma vez, nos deparamos com uma estratégia eficaz para a anti-filosofia, visto que neste cenário o conhecimento processual da filosofia, que implica em sondar as raízes dos problemas, suas causas primeiras, é inutilizado pela praticidade do ofício em voga. Filosofia para o "medalhão" é a mais pura perda de tempo que o homem foi capaz de inventar.

É possível aqui aproximar o sentido das palavras deste professor ao seu efeito contrário, pretendido pelo filósofo alemão Karl Jaspers (1883 - 1969), quando do papel da filosofia no mundo, que perturba a paz de um mundo recheado de fórmulas prontas e acabadas. Com efeito, para Jaspers, a filosofia está cercada de inimigos, típicos da estratégia a ser dominada com a “teoria do medalhão”. Assim, Karl Jaspers assinala:

“(...) a filosofia se vê rodeada de inimigos, a maioria dos quais não tem consciência dessa condição. A autocomplacência burguesa, os convencionalismos, o hábito de considerar o bem-estar material como razão suficiente de vida, o hábito de só apreciar a ciência em função de sua utilidade técnica, o ilimitado desejo de poder, a bonomia dos políticos, o fanatismo das ideologias, a aspiração a um nome literário – tudo isso proclama a antifilosofia” (JASPERS, 1993, p. 77).

As palavras aqui colocadas confirmam a pretensão de tornar Janjão um “medalhão”, ou, na terminologia de Jaspers, um “antifilósofo”.

Enfaticamente, assinala ainda o pai do futuro “medalhão” que:

“(...) com o tempo, irás sabendo a que leis, casos e fenômenos responde toda essa terminologia; porque o método de interrogar os próprios mestres e oficiais de ciência, nos seus livros, estudos e memórias, além de tedioso e cansativo traz consigo o perigo de inocular idéias novas, e é radicalmente falso” (ASSIS, 2002, p. 58).

O próprio Dom Quixote de La Mancha, maior personagem de Miguel de Cervantes (1547 - 1616), é citado para tirar qualquer dúvida sobre quem irá prosperar no sistema de eficácias do “medalhão”. A ênfase é acentuada ao limite da aplicação de uma técnica, não de uma elaboração filosófica sobre os porquês remotos das coisas que constituem a realidade. Por isso, a recomendação é direta: “Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros, compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos” (Idem, p. 59).

Mas, para que esta teoria seja realmente eficaz, deve tornar-se pública. O “medalhão” deve aprender a manejar as estratégias que o conduzirão aos píncaros do prestígio e do reconhecimento social. Ele deve fazer de tudo para agradar. Deve ser bem visto, amoldando-se aos meandros da festa de máscaras que anima o salão da cordialidade e da simpatia. Tornar-se homem público, sem recear vestir a roupa da superficialidade, uma vez que “(...) a publicidade é uma dona loureira e senhoril, que tu deves resquestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a consciência do afeto do que o atrevimento e a ambição” (Idem, p. 59).

Outra passagem ilustrativa do fenômeno publicitário presente na “teoria do medalhão” é expressa quando o pai de Janjão afirma: “Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pública instigam à reprodução das feições de um homem amado ou benemérito” (Idem, p. 60).

E ainda mais uma vez a ironia. Agora o seu alvo é a metafísica. O discurso do “medalhão”, ironicamente, deve preferir a metafísica. Fica claro aqui o uso de uma fina ironia, traço tão peculiar à obra machadiana. A metafísica aqui mencionada não é a ciência que visa inquirir sobre a essência das coisas, mas, ao contrário, um meio eficaz de camuflar o sentido oculto da realidade, pelo uso de uma retórica bem elaborada e articulada. A inversão conceitual é proposital na “teoria do medalhão”, para que o sentido da metafísica seja um despropósito teórico a ser seguido por Janjão. Ouçamos a recomendação:

“Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: - ou os negócios miúdos, ou a metafísica política, mas prefere a metafísica. Os negócios miúdos, força é confessá-lo, não desdizem daquela chateza de bom-tom, própria de um medalhão acabado; mas, se puderes, adota a metafísica: - é mais fácil e mais atraente”. (Idem, p. 62).

E ainda, quando assinala que:

“Um discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está acabado, formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade” (Ibidem).

Para finalizar a lição, o falso diálogo, como é percebido desde o início, o pai de Janjão, responde ao filho que a filosofia não é necessária para o “medalhão”, confirmando o que já estava implícito durante todo o texto. Nada de filosofia, ao menos enquanto processo de pensamento. Um pouco de “filosofia da história”, quem sabe, para reproduzir conceitos pensados por filósofos do passado. Isto sim é permitido, pois não exige busca intelectual, apenas reprodução de achados alheios.

“ – Nenhuma filosofia?
- Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com freqüência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade, etc. , etc.” (Idem, p. 63).

A lição acabou. Janjão ultrapassou a maioridade. Deve ter como princípio não ter idéias próprias e usar os valores morais da publicidade e do prestígio para eficazmente lograr êxito no mundo.

“ – Meia-noite.
- Meia-noite? Entra nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa dessa noite vale o Príncipe de Machiavelli. Vamos dormir” (Idem, p. 64).

Mais uma lição: saber manejar as circunstâncias para o alvo almejado, uma esperada leitura do pai de Janjão sobre Maquiavel...

BIBLIOGRAFIA

- ASSIS, Machado de. Contos. São Paulo: FTD, 2002.

- JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico, p. 138. In: ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando - Introdução à Filosofia. 2. ed. revista e atualizada. São Paulo: Moderna, 1993.


Jorge Leão

Professor de Filosofia do CEFET-MA e membro do Movimento Familiar Cristão, em São Luís – MA

Em: 05 – 10 - 2008